
02/09/08
Hormônios
como carta de alforria?
Fui questionado, na última semana, por uma grande
amiga, sobre a minha opinião acerca do recorrente
e inesgotável tema ‘traição’.
Para isso, recebi um convite à leitura de um texto
que circula na rede como sendo de autoria de Arnaldo Jabor
(o que, em rápida consulta a sites de busca, parece
ser mais uma pegadinha de falsa assinatura). De qualquer
forma, o objeto de análise era intitulado “Alvará
para trair” ou também “O comportamento
dos homens”*.
Não sou muito flexível com essa questão
e me enoja (na ausência de termo melhor) encontrar
por aí pessoas que realmente acham que vai colar
a idéia de que traição obedece a instintos,
às invioláveis(?) ordens da natureza. Toda
essa bobagem dita por quem tenta usar a razão para
inventar desculpas, no fundo, é contraditória.
Afinal, o defensor dos instintos nega a sua própria
capacidade de escolha racional. A mesma que utilizou para
elaborar uma pomposa carta de alforria. Lindo, não?
Escolha. No meu entendimento, traição não
é algo inevitável e tampouco natural. É
uma decisão tomada, consciente, e que não
encontra qualquer alento nos argumentos do descontrole e
da “carne fraca”. E digo isso por enxergar uma
clara barreira entre as sensações e a execução
daquilo que elas sugerem. Por exemplo, a fome é uma
reação natural do corpo, independe do indivíduo.
Mas a escolha do que irá ingerir para saciá-la
é racional. Tão racional quanto decidir se
vai ou não para a cama com a amiga da namorada.
Enfim, nenhum relacionamento é natural. Todos eles
nascem de uma opção, de um compromisso, de
uma espécie de contrato social com o qual os envolvidos
concordam. Por essa razão, é inviável
– e até vejo como golpe de misericórdia
– tentar misturar as bolas para poder tirar algum
peso da consciência. Já na esfera particular
de interpretação, vejo a traição
como o cúmulo da falta de respeito. Mesmo porque
as regras são simples. Se sente falta de outras experiências,
por que assumir um compromisso monogâmico? Por que
brincar com os sentimentos de alguém? As pessoas
não são reserva de mercado. E se para você
o são, também é uma questão
de escolha, certo? Mais uma vez, estamos diante da responsabilidade
dos atos.
Bom, não estou dizendo que quem trai é melhor
ou pior pessoa. Deixo esse julgamento para você e
seus próprios valores. Considero apenas indigna de
confiança aquela pessoa que tenta fugir da responsabilidade
do que, com consciência, optou por fazer. Algo ainda
mais covarde que ferir o respeito que se tem por outra pessoa
é ter o descaramento de argumentar que não
participou dessa escolha. “Mentir para si mesmo é
sempre a pior mentira”, já disse a Legião
Urbana.
No fim das contas, as pessoas são livres para fazer
o que quiserem. Podem deixar de falar verdades, agir como
bem entendem, mentir para não magoar, etc. Mas não
são reféns da natureza e nem estão
alheias às regras de convivência. Melhor: não
estão liberadas de responder por aquilo que fazem.
Talvez, por essa razão, fique cada vez mais claro
o motivo pelo qual perdoar é sempre tão difícil.
“Eu já pedi desculpas. O que mais você
quer que eu faça?”. No mínimo, aguardar
pela decisão do outro. Todos têm o direito
de fazer escolhas. Mesmo porque arrependimento não
é cupom de desconto. O outro também tem o
direito de resolver se o crédito durará ou
não para sempre...
*Leia o texto mencionado no link abaixo:
http://www.punkgirls.com.br/2008/07/09/o-comportamento-dos-homens-por-arnaldo-jabor/
Leia
também
21/07/08-
Que Sac
27/05/08
- A perfeição no meio do caminho
07/04/08
- As quatro horas de três semanas
03/03/08
- Ecos falsos
11/02/08
- Autoconhecimento
07/01/08
- Prever o que elas podem vir a pensar
2007
__________________________________________
Guilherme Amorim
é um mineiro simples, metido
a organizado e que sobrevive sem estantes. Além de
devoto da Mega Sena, irônico e canhoto fervoroso,
é jornalista e criador/apresentador do programa Espátula,
veiculado na iRadio. Escreve mensalmente na coluna Trejeitos.
E-mail: guilbh@gmail.com
|