03/08/07
Tenho dó
Eu tenho dó, mesmo.
As vezes queria saber ler o que os olhos do presidente dizem
quando seus ouvidos são invadidos por vaias. O cara,
que era um líder carismático, a esperança
do povo e mais um monte de coisas, se resume ao ritmo das
vaias. O cara era top de linha. Agora, prato cheio para
os jornalistas, sempre a postos para reproduzir suas gafes
e peripécias. Daria um filme, triste. Cômico
e trágico. Eu, sinceramente, tenho dó.
Tenho dó também
dos ombros do meu pai, que me carregavam ainda menina durante
as carreatas. Lá de cima eu balançava a bandeirinha
estrelada e cantava desafinada Lula lá. Os ombros
do meu pai devem estar cansados e eu não tenho mais
voz pra cantar, e nem vontade. Tenho dó daquele João
Ninguém, iludido pela esperança de que o Lula
lá mudaria alguma coisa.
A essa altura devem estar
pensando que sou de direita. Ledo engano. Não sou
de direita ou esquerda. Também não fico em
cima do muro. Sou correta e não me entortei. Cobro
a concretização da esperança, que venceu
o medo. No fundo, tenho visão política limitada.
Não entendo essa coisa de partido, inteiro e sei
lá mais o que. Vejo sempre com os olhos do povo,
porque isso eu ainda não deixei de ser. Acabo divagando
emocionalmente por questões racionais. Por isso,
eu tenho dó.
Tenho dó. Porque eu
vi tanta gente sonhando com o Lula lá no Planalto
e agora nem dorme direito. Passam as noites em claro procurando
uma luzinha, um fiozinho daquela esperança perdida
no meio do medo crescido. Essa gente que se convenceu de
que sonhos são apenas sonhos e ilusão era
pensar que realizaria. Eu não. Eu, ainda não.
Pra mim, sonhos são
possibilidades. Presentes ainda não ganhos. Lugares
ainda não visitados. São presságios.
São esperança. São acalanto de dias
melhores. São puros. Sonhos. Tem gente que não
acredita, mas pra mim sonhos são sinais, são
macios para a dureza de dias sem sol. Nunca sonhei só
por sonhar.
Sonhos são bons quando
se confundem com a realidade, são tristes quando
se fazem abismo, são esperança quando pontes.
São sonhos, em sua essência. Não apenas,
mas essencialmente sonhos. Nunca os desprezo, recolho-os
com carinho, um a um e os coloco cuidadosamente num lugar
onde só eu possa alcança-los. Não gosto
de deixá-los perdidos pelo chão, ou num canto
qualquer.
São sonhos, daqueles
que um dia eu sonhei. E sonhos, pra mim, nunca são
só sonhos. Mesmo que, às vezes, não
sejam reais. Mesmo que, às vezes, acordem em lágrimas.
Mesmo que, às vezes, sejam o nosso abismo. Mesmo
assim, são sonhos. Vaga-lumes na realidade.
Mas é difícil
sonhar quando o presidente se diz o Almir Sater do Planalto
e tenta acompanhar os sonhos de um país melhor com
uma viola pantaneira. A melodia que nasce é triste
e fora de contexto. É triste a melodia de um país
com Lula lá. O povo, desconhecendo sua força,
acompanha com vaias. É triste a melodia. Eu tenho
dó.
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Thaís
Palhares é
belorizontina de nascença. Palhares de pai. Fernandes
de mãe. Thaís de comum acordo. Jornalista
por opção e por convicção. Escritora
por paixão. Viva, por isso, incansável. Escreve
aqui todas as sextas-feiras. Fale com ela: thaisgalak@gmail.com
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