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25/05/07
Um ontem que ainda é hoje

A vida segue... Segue como seguiu um carro numa noite de fevereiro pelas ruas cariocas. O menino João Hélio preso ao cinto de segurança nada pode fazer... Algum tempo depois da morte violenta de João Hélio, a sociedade, presa no seu próprio medo também não faz nada... Nos jornais, a morte do menino de seis anos, a dor de seus pais, as manifestações, os protestos, tudo isso deu lugar a novas manchetes de uma mesma notícia: a sociedade é refém de uma guerra não declarada.

Já se passaram quase três meses e o caso é, a grosso modo, mais um para a estatística. A vida segue, mas mesmo assim, não há como enxergá-la da mesma forma. A tranqüilidade vira refém da insegurança para sempre. Vez ou outra o garoto arrastado e assassinado é lembrado, assim como o ônibus pegando fogo, a menina que ficou tetraplégica por causa de uma bala perdida. Tudo leva ao lugar comum da falta de uma segurança pública efetiva, aparentemente.

O caos instaura-se como a ordem. Em comum, a culpa. Somos culpados porque no nosso silêncio consentimos a lógica do sistema. É difícil encarar a verdade e é muito mais fácil culpar os marginais, os políticos, essa corja toda. O problema, contudo, é mais abrangente, está um pouco além do que os olhos podem ver. Sabe aquele monstro que arrancou o carro, mesmo sabendo que havia uma criança presa ao cinto de segurança? Acredite. Ele também é vítima. Ele nasceu num mundo muito diferente do seu. Você aprendeu a ler e a escrever, teve uma infância “politicamente correta”, presente no natal, bolo confeitado no aniversário. Já ele, aquele monstro, conheceu o mundo sob uma outra perspectiva. É um monstro sim, mas é, antes de tudo um menor abandonado. Aquele menor chegou ao mundo com tanta humanidade no sangue como nós, com a diferença que ele perdeu um pouco dela a cada dia...

É claro que isso não justifica e não inocenta. Mas leva a um problema muito mais profundo e de difícil solução. Porque não adianta colocar grades na janela, policiais na rua, alarme nos carros. Somos culpados, ainda que reféns. Temos uma arma apontada para a nossa cabeça e somos responsáveis por ela. Porque estamos deixando a margem os marginais e aqui não há nenhuma redundância. Estamos construindo uma redoma social que alimenta ainda mais o ressentimento de quem fica a margem dela.

E quando tudo começa a fazer sentido, quando é possível culpar a desigualdade social, outra face do crime se mostra. Além do menor, está envolvido no assassinato de João Hélio outro jovem. Um jovem que teve aquela infância “politicamente correta”. Teve educação em escola particular, família constituída e cresceu de acordo com a moral e os bons costumes, tudo como manda o figurino. Ele é um dos nossos! Foi criado como você cria o seu filho. Poderia ser seu vizinho. Uma realidade cada vez mais comum: jovens de classe média envolvem-se com crime.

Então voltamos à estaca zero. E é preciso recomeçar o raciocínio de outra forma. Num mundo que tem pressa por novidades, num mundo onde impera o efêmero, há fatalmente, o esvaziamento do sujeito. E esse esvaziamento não escolhe cor, raça ou credo. Coloca marginais e seu filho num mesmo panorama.

A questão se desenha com clareza. É óbvio que o policiamento ostensivo, não dá educação e saúde para quem já nasce na falta de alma. Na falta de um projeto de vida. Não salvamos o João Hélio, mas podemos sim, fazer algo.. E é isso que não deve ser esquecido. João Hélio está morto, mas nossas crianças estão vivas, estão nas ruas, à margem ou não. Tratá-las iguais nas suas diferenças, fazendo possível um tecido social inclusivo. Aí sim, poderemos dormir mais tranqüilos.


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Thaís Palhares é belorizontina de nascença. Palhares de pai. Fernandes de mãe. Thaís de comum acordo. Jornalista por opção e por convicção. Escritora por paixão. Viva, por isso, incansável. Escreve aqui todas as sextas-feiras. Fale com ela: thaisgalak@gmail.com

 

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