12/10//07
Encontro
Não vou ganhar presente
hoje. Não sou mais criança, cresci, doa a
quem doer. Da infância, só lembranças
saudosas de um tempo onde o tempo era infinito e os sonhos
maiores, muito maiores...
Um dia, um dia eu iria voar... Enquanto isso não
acontecia me contentava com uma capa improvisava com lençol
e corria pra sentir o gosto do vento, um dos gostos mais
saborosos que já provei. Um dia, um dia eu iria morar
em um castelo, castelo de princesa. Até lá,
vivia feliz para sempre debaixo do meu pé de maracujá.
Era um tempo de inocência, de comer sem preocupar
em engordar. De andar descabelada e de pés descalços.
Queria usar óculos, aparelho e quebrar uma perna,
um braço... alguma coisa, só pra assinarem
no meu gesso. Não usei óculos, odiei o aparelho
e anos mais tarde, quebrei a cara, muitas vezes. Noutras,
foi o coração...
Tinha muitos medos... Medo do escuro e do Fred Kruger. Tinha
medo de fazer careta e ficar torta. De chupar manga com
leite. De lagartixa tenho até hoje. Mas o estranho
é que nunca tive medo de não dar certo, de
me arriscar, pelo menos não quando era criança,
pequenina e, ainda assim, gigante.
Era uma menina de pernas finas e compridas, cabelos cacheados
e dentes separados. Era uma menina de sonhos e fantasias...
Vivi uma infância feliz e completa. Um dia, um dia
sem que eu percebesse, minhas pernas ficaram maiores que
eu... me atropelaram e foram ganhar o mundo.
Perdi então os cachos, trocados pelo liso da escova
e prancha. Os pés, descalços, foram espremidos
no salto. Nunca mais provei o gosto do vento, e se engordar?
Meus medos são menores e me assustam mais... Às
vezes acho que não vai dar pé, então
não pulo de cabeça... Não moro em um
castelo e não sei voar...
Caminhando, vim parar em outra cidade, ao melhor estilo
Ana Carolina, por força da circunstância. A
menininha de cabelos dourados e cacheados, dentes separados
e pés descalços ficou perdida por entre fotos,
debaixo do pé de maracujá. Sinto saudades...
Olhando no espelho, ensaio um sorriso. Não encontro
os dentes separados. Olho bem no fundo dos meus olhos e,
lá dentro, uma menina, com uma capa improvisada com
lençol me convida para saborear o vento... Me sorri
o sorriso mais lindo do mundo e o brilho dos seus olhos
dá vida aos meus...
Apesar de todos os medos, sorrio de volta. A menina de cachos
dourados veio comigo, vive em mim, a sombra de um pé
de maracujá. Nos damos as mãos secretamente
e inventamos um novo castelo, um novo sonho. Mesmo mulher,
quero ser menina... A menina que tinha coragem de sonhar
em ser mulher.
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Thaís
Palhares é
belorizontina de nascença. Palhares de pai. Fernandes
de mãe. Thaís de comum acordo. Jornalista
por opção e por convicção. Escritora
por paixão. Viva, por isso, incansável. Escreve
aqui todas as sextas-feiras. Fale com ela: thaisgalak@gmail.com
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