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Um bêbado que falava de amor... Com os olhos vivos, contrastando com os olhos de peixes-morto da sociedade que o rodeava, ele fazia sua prece...
 

05/10//07
Um bêbado

Uma vez um poeta, amigo e bêbado me disse que só o amor pode suavizar o caos do mundo. Penso que sim. Porque deve mesmo é faltar amor no coração de uma mulher que joga uma criança num rio de águas podres. Não digo nem que falta amor de mãe, mas amor de ser humano. Penso mesmo que deve faltar amor em um homem que mata duas crianças e diz ter visões divinas. Não podemos falar do mesmo Deus. Definitivamente.

Romântica, boba, infantil, fui educada ao melhor estilo o mundo não é, mas pode ser cor-de-rosa. Aprendi que podemos ser mesmo melhores e que o amor não é uma invenção, mas o canal para que os meios cheguem aos fins. Essa noite eu tive um sonho, um sonho ou uma utopia. Uma ilusão. Meus olhos fechados enxergaram um bêbado falando o que ninguém quer ouvir...

Um bêbado que falava de amor... Com os olhos vivos, contrastando com os olhos de peixes-morto da sociedade que o rodeava, ele fazia sua prece...

- Tenho amor... Aos montes. Saindo pelos poros, pingando com o suor. Tenho amor debaixo da cicatriz, na unha pintada. Na unha roída. Amor no mundo que carrego nos olhos. Nas olheiras. No infinito tatuado. Na borboleta nascida. Tenho amor nos cachos e caracóis. Escorrido também. Tenho amor para brigar, xingar, maldizer, matar, morrer. Renascer. Amor de casa, mesa, banho. Tenho amor nas pernas desengonçadas, no umbigo gordo, nos dedos longos. Tenho amor nos pés doídos e nas lágrimas derramadas. Tenho amor por entre os dedos e guardado no bolso. Tenho amor na carne. Na alma. No sexo. Nos sonhos, nos restos, nos pontos, nas reticências. Nas estradas. Na casa. Na asa. Tenho amor no começo e, mais ainda, no final. Amor no sorriso, na fome na sede, na rede, no chão. No ar. Na pedra e na flor. Amor em semente. Amor em raiz. Amor na saudade. Em saudade. Tenho amor pra dizer que é feio e achar bonito. Tenho amor nas palavras, na sinceridade, nas mentiras, nas portas, janelas e fechaduras. Nas frestas. Pra refletir e absorver. Tenho amor na garganta, no nó, no laço, no cadarço, na solidão. Tenho ainda um tanto de amor salivando, respingando e respingado. Tenho amor pra dar de presente. Amor devolvido, contrabandeado, intacto, usado, reaproveitado. Nunca desperdiçado. Amor. Eu tenho. Dou, não vendo. Tenho amor pros espinhos e pras flores. Até para os desamores.Tenho amor cheirando a novo, amor cheirando a mofo, a mato. Tenho amor pra colorir, pra acarinhar, afagar, aconchegar. Tenho amor para chegar, partir e não me acomodar. Amor pra morder, lamber, amassar, cheirar, pegar, largar. Deixar livre. Pro mês inteiro. Pra vida toda. Pra depois também. Tenho amor pra esperar. Acreditar. Tenho amor e uma boa dose de sonhos. Tenho amor ao próximo. E isso é tudo, eu tenho a sorte de amar...

Acordei procurando uma dose daquela bebida. Daquele amor. Daquele mundo que ninguém prestou atenção... Mas no jornal, havia um rio e um bebê. Um rio podre, um bebê e uma mulher sem amor. Chorei.

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Thaís Palhares é belorizontina de nascença. Palhares de pai. Fernandes de mãe. Thaís de comum acordo. Jornalista por opção e por convicção. Escritora por paixão. Viva, por isso, incansável. Escreve aqui todas as sextas-feiras. Fale com ela: thaisgalak@gmail.com


   
 

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