OPPERAA
 
Baby Boom
     
 
 
     
Ela queria escrever palavras inventadas, decoradas, novas ou velhas. Reunir nos versos tudo que ainda restasse de puro e depois distribuí-los por aí, como que dando uma faxina no mundo.
 

14/12//07
Louca lucidez

Ela queria escrever uma coisa bonita, mágica, doida. Uma coisa qualquer que fizesse o mundo sorrir e desinventar a crueldade amarga que veste a realidade. Ela queria escrever uma coisa qualquer que fosse leve e azul... Tinha essa coisa imbecil e inquieta, um espinho rompendo a pele, um vento forte para fazer ondas...

Uma coisa qualquer... Tinha uma idéia na cabeça de que “as gentes” podem lutar, insistir... “As gentes” podem tudo e ela queria escrever uma coisa bonita que pudesse inspirar o mundo, porque ela não queria deixar tudo se perder. Porque ela sabia que esse tudo é muito ou mais, quase além e não podia deixar de existir...

Ela queria escrever palavras inventadas, decoradas, novas ou velhas. Reunir nos versos tudo que ainda restasse de puro e depois distribuí-los por aí, como que dando uma faxina no mundo. Buscava palavras, conceitos, jeitos e preceitos, qualquer significado para absurdos.

Usava papéis, canetas, lápis, carvão, guardanapos para imprimir a alma. Detinha-se e não sabia por onde começar. Todas as palavras já tinham sido usadas, pensadas. E o tempo ia tomando cores imprecisas de uma lucidez triste... Não havia o que escrever... Então ela se cansava, murchava... Amiudava-se e quase que sumia de tanta tristeza e de avesso de esperança...

Mas tão logo o dia raiava, achava uma distração no mundo e lá se punha a procurar palavras para escrever a tal coisa bonita, mágica, doida. A coisa que faria o mundo sorrir... Enchia folhas de versos soltos para ver se preenchia o mundo de concretude. Escrevia até suas mãos adormecerem. Por fim, saía à procura de palavras guardadas, abria gavetas, baús e perdia-se no meio de frases, num eterno embate de esperanças e tropeços.

Um dia, num acesso de fúria, sumiu com papéis e lápis. Folhas, canetas, esboços. Picou palavras em diminutas e irreconciliáveis partes de para sempre. Num acesso de fúria, desaprendeu pronomes, provérbios, conjunções, vírgulas, pontos, parágrafos e travessões. Jogou tudo pela janela. O sol exibia-se com toda sua força.

Jogou tudo pela janela e reteve apenas a alma, rabiscada de carvão. No mais profundo silêncio voltou os olhos para a janela de onde choviam palavras e se abriu para o céu... Escreveu asas e voou. Foram suas últimas palavras... As mais bonitas, mágicas e doidas que encontrou.

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Thaís Palhares é belorizontina de nascença. Palhares de pai. Fernandes de mãe. Thaís de comum acordo. Jornalista por opção e por convicção. Escritora por paixão. Viva, por isso, incansável. Escreve aqui todas as sextas-feiras. Fale com ela: thaisgalak@gmail.com


   
 

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