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benhê era pequeno-burguês mas tão lindo ele tão lindo tão lindo pequeno-burguês de uma burguesia assim vazia vazia falida e que cheirava a merda porque na casa de benhê tinha cachorro e cachorro que não gostava de cagar no prato de alumínio porque cagar no prato de alumínio ofendia aos seus ditames naturais [ ... ]

 

02/10/08
estudo-do-fim
I

Benhê mal-me-quer bem-me-quer vem descendo as ladeiras assim assim meio torto meio lateral mas aí eu olho e olho e pasmo porque não vejo nada e benhê sumiu, ai, que benhê sumiu e eu não sei o que faço agora que benhê sumiu, que tudo quanto é coisa queu olho não tem cor de nada tem cor nenhuma no mais mais uma corzinha feia de burro-quando-foge umas matizes estranhas de um desespero assim ao mesmo tempo em mim e não, um desespero meio vizinho, periférico, um azedinho meio mundo, meio mundo, ai, que benhê é meio mundo, é meio mundo que se acendeu que nem pirilampo vaga-lume desavisado que não sabia desses tempos de poupar-se tudo até o que não se tem, que não sabia desses tempos malditos, meu deus, ai, malditos tempos de economia de luz que quando não se economiza na hora se economiza depois sozinha compulsória. benhê se morreu quando eu não olhei se aproveitou de minha ausência e se morreu pra sempre, que benhê vejo nunca mais nessa ladeira de descida e descida da vida ultimadora e de proibições máximas e mínimas e máximas e máximas porque no final se você for ver é tudo mesmo proibido e não te sobra nada nada nada a fazer, é tudo inércia e subir de volta é contra-mão na certa, ofende aos ditames-reis da sociedade pequeno-burguesa e benhê era pequeno-burguês mas tão lindo ele tão lindo tão lindo pequeno-burguês de uma burguesia assim vazia vazia falida e que cheirava a merda porque na casa de benhê tinha cachorro e cachorro que não gostava de cagar no prato de alumínio porque cagar no prato de alumínio ofendia aos seus ditames naturais, aos ditames naturais do cachorro que ainda não aprendeu a viver na civilização de pratos-alumínio e às vezes eu parava e pensava assim contemplando de longe a família de benhê que ele mesmo e a mãe e o pai deviam também cagar em pratos de alumínio e por isso é que queriam ensinar ao cachorro ai, ai, pobre do animal que não sabe é pra que nasce nem pra que morre nem pra que nada mas tem que saber cagar em pratos de alumínio, etiqueta importante, que a família toda de benhê inclusive ele quando falavam falavam coisas alumínio-enfeitado-bege-cor-cru-seringas-de-plástico e eu ficava assim meio de bandinha evasiva pra não me contaminar que eu tive muito medo em certa época de pegar doença de benhê doença ruim de burguesia que não tem cheiro de nada mas fede a merda. e quando benhê saiu por aquelas ladeiras abaixo eu não vi porque não estava lá olhando de cima com olhares saudosos e lágrimas lacrimosas nem com solidão, eu nunca olhava benhê com solidão mas olhava com amor e vai ver por isso ele não gostou, não sabia como olhar de volta ou então não entendia que olhar era aquele meio enviesado meio oblíquo e meio brilhoso-férreo além do olho que denotava alguma coisa, ah, que meu olhar denotava alguma coisa quando eu olhava assim pra benhê com cara songa-monga e ele me perguntava se eu tava com fome e eu não dizia nada porque estava no auge da minha contemplação do vazio aí benhê chegava e falava pra eu comer algo antes que desmaiasse que eu tava era com cara verde então eu ficava com um medo medinho fundo de benhê além de cheirar a merda ser também meio burro coitado, que confundia uma cara de paixão besta com cara de fome azul-verde-amarela sei lá mais que cor era que ai, tá tudo agora assim meio sem cor, no mais mais uma corzinha feia de burro-quando-foge umas matizes estranhas de desespero assim ao mesmo tempo em mim e não, um desespero meio vizinho mas que vai-se indo embora, ai, que meu desespero vai-se indo embora graças a Meu Nosso Senhor que é assim que nem orgia romana que a todo mundo atende de vez, a homem mulher criança e bicho devia atender também ao desiderato cachorro de meu ex-amado benhê quando ele tentava cagar no prato de alumínio olhando a Família toda do lado tentando fazer junto com ele o esforço final e não conseguia então se revoltava e consumava-se nos sofás da casa que é como cachorro gosta ao lado dos cocôs velhos endurecidos enquanto a mãe e o pai de benhê almoçavam na sala vendo o jornal Hoje e falando mal de todo mundo vivo morto e laticínio. e quando benhê mal-me-quer bem-me-quer saiu por aquelas ladeiras abaixo eu não vi porque não estava lá olhando de cima com olhares saudosos e lágrimas lacrimosas mas senti uma urgência me ardendo por dentro estômago e um enjôo no baço, que eu nunca vi ser humano sentir mas eu senti um enjôo no baço, vai ver era a lembrança-última da cara de benhê que não deu tchau porque deve ter achado que eu estava ainda com fome ou então era meu corpo que se livrava, sim, era meu corpo que se livrava e abandonava tudo e voltava depois a ser corpo, ai, que eu voltava a ser corpo e era melhor do que morrer era melhor do que viver era melhor até do que sentir fome era mais que luminescência

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Serena Play escreve porque a sua - parca - coordenação motora jamais permitiu que seu violão fosse melhor. Nas horas vagas é estudante. Estreante. Coadjuvante, quando lhe apetece. Leitora. Imigrante. E boêmia. Tem o péssimo hábito de adotar pseudônimos: com o de Brisa Paim, publica no palavrapouca (www.palavrapouca.blogspot.com).


   
 

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