
07/07/08
5: O Quadrado
Nesta dança
somos quatro: eu, tu, o pai, a avó. Postam-se em
quinas, solenemente. Preparo um passo-primeiro, retenho,
esperando que me tomes. O vestido-margaridas, os cabelos
espalhados. As mãos frias, suadas. É que há
muito tempo já espero. Há setembros, outubros,
novembros. E na quina, beibe, me sorris?
A avó e o pai sentados, incontidos na demora. Logo
começam a dançar: dançam de imenso
baile. Nós, beibe, esperamos. Enquanto os deles-passos
são largos. Dezembros, janeiros. Fevereiros. Eles
nos olham. Aumenta-se a música. O tempo passa. Estamos
velhos.
Desolada, toco as coisas que estiveram em tuas mãos
Cada objeto é uma ponta
de passados. Cada coisa um pedaço. E é outono,
quando digo, beibe, que me mataria em março
- como a poeta.
Tu te ris, dizendo que perecerá no logo. Quando digo:
RUTILOSO. Óxido. Se nem na palavra há de,
nesta canção que nunca acaba.
Mas logo perecerei. Ainda que role a música
Ainda que sigamos
dançantes
nossa velha hipotenusa.
Então me calo.
Lúcida e dura, num rigor emprestado de sólido.
De quadrado.
Por isso é que não dançamos, falo.
Para conservarmos imaculada a defensiva reta. Geométrica,
seca, os olhos agudos. Por isso os quatro sapatos para sempre
cravados. Cimentados no pétreo.
E miro
muito séria
dois olhos teus.
Miro-os muito seca, guardando no escuro o átrio.
Dizes-mo: não dançamos? Se sempre as nossas
pernas neste palco. Mesmo parados, as nossas pernas, neste
palco. Ainda em cantos opostos, na vida, no teatro. E antes
dos pés, o claustro: se tudo é música,
a harmônica rotina, a confortável métrica
– distância confortável de pernas pés
passos. Traço reto, exato, que separa meu eu do teu
LONGO, LONGO traço. Que me leva do teu largo.
IMENSO pedaço. Colhido de azuis e divergências
da matéria. Mas a dança conservamos, cada
qual no seu ato. Um pólo de bemóis do rés
ao sótão. Verdareiro pólo, um todo
feito de espaços
- e bailamos no longe, beibe, destas quinas? Em setembros,
em outubros, um rouco calendário. Um solo de uivos,
de metades. Eterno arquivo, elenco de quasares e quases
E de gritos, beibe, às seis da manhã. Lançados
de nossas caras espantadas.
Cada som de seu cada-lado, e o sol
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também:
05/05/08
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do muro
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- 2: graves & agudas para beibe
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Serena Play
escreve porque a sua - parca - coordenação
motora jamais permitiu que seu violão fosse melhor.
Nas horas vagas é estudante. Estreante. Coadjuvante,
quando lhe apetece. Leitora. Imigrante. E boêmia.
Tem o péssimo hábito de adotar pseudônimos:
com o de Brisa Paim, publica no palavrapouca (www.palavrapouca.blogspot.com).
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