
30/10/07
Não sou nada turístico
Cá estou. Depois de
deixar as terras brasileiras por um pequeno período,
estou por entender tantos comportamentos humanos. As fronteiras
da língua ainda há mistérios que me
deixam a pensar. Se bem que elas existem em pouca quantidade.
Mas não há como negar que elas são
costumeiras em me motivar a dar boas gargalhadas. Não
pelo fato de estarem incorretas ou soarem mal. Mas pelo
fato de, se comparadas às nossas interpretações
corriqueiras e muitos mais sacanas, certamente seria fato
de nos render boas risadas. Sentado num bar, ou tasca como
queiram, e ao conhecer uma brasileira, que aqui já
está há seis anos, ela nos contava histórias
e situações inusitadas. Acredito que essa
deva ser uma fase pela qual todo turista ou novo morador
de Lisboa deve enfrentar. Eu gosto de saber dessas fases.
Faz-me rir saber o quanto criamos
diferenças culturais que se perdem no primeiro gole
de cerveja, que seja quente, ou no primeiro trago de Davidoff,
que não se compara às crias do tabaco brasileiro.
Nem é para escrever sobre curiosidades lusas ou simplesmente
apresentá-las como requisitos das piadas que se formam
sobre este povo. Aliás, nenhuma impressão
tenho do lado de cá. O que sei é que nada
mudou nesse mundo tão igual. Frio, calor, castelos,
pastéis, pães, euros, praias, avião,
Europa. Não há nada além do horizonte
da desilusão.
O que me anima é saber
que, ainda a custos mais baratos que no Brasil, pode-se
experimentar o conhecimento de outras terras e outros povos,
que se nivelam pela universalidade do saber. Me dói
mais a abstinência de afetos, de mãos estendidas
e de afagos certos. Ou de pequenas lembranças que
ficam perto demais, que a gente insiste em trazer na mala.
Mas que são camufladas por pessoas como Dona Maria
Saldanha, mais de 60 anos: me recebeu em Lisboa com um sorriso
de mãe e cabeça de madrasta. Mãe dos
seus hospedes, madrasta do sistema. Ela, que cursou até
segundo grau, ainda se anima a enfrentar uma faculdade de
ciências humanas e ao dizer que o mundo se mantêm
assim, pelo conhecimento e pela troca de sabedorias entre
homens e livros.
A figura da senhoria é
muito típica em cidades da Europa. Aluga-se um quarto
e a dona da casa cuida das arrumações e demais.
Em muitos casos, ela é como uma mãe emprestada,
entretanto, há de se pagar uma quantidade de euros
para manutenção da casa. Lembro-me da minha
sempre aqui, nesses poucos dias que aqui estou. A falta
é assim, um sentimento não completável,
que fica guardado até o dia em que o lugar das pessoas
seja, novamente, restituído. Dona Saldanha é
guardadora de sábios e saberes aqui em Lisboa. Aluga
seus quartos para o conhecimento de pequenos aprendizes,
aventureiros que se perdem no meio das letras e dos vinhos.
Está sempre a ficar entre as palavras de estrangeiros
e de conterrâneos, entre os saberes e as interpretações.
Entre as cores novas do edredom de um novo hóspede
e a textura da toalha amarela de um brasileiro.
Me perguntam sempre como estou,
se estou gostando e como é cidade. Meu gosto irônico,
crítico e desiludido me faz ver pedras construídas
com suor de escravos e imponentes construções
de um tempo aristocrata repressor. Mas que pensamento deplorável
este meu, não? Quem se muda para a Europa e não
vê as belezas dos lugares? Deplorável.
Dona Saldanha está à
nossa espera e eu preciso ir até a Biblioteca conhecer
novos amigos.
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Rodrigo Saturnino é
jornalista, pós-graduando em Comunicação
Pública pela PUC Minas e e tem um blog: www.nossoopiodecadadia.blogspot.com
Fale com ele: rodrigo@obinoculo.com.br
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