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A autora de “Camões é um poeta rap”, resolveu fundir duas culturas em favor da experimentação e de uma nova abordagem , para divulgação de um ícone da cultura lusitana de forma alternativa. Utilizou, segundo suas próprias palavras, uma performance poética com suporte multimédia onde o performer diz e canta os poemas, comunica e interage com o público, apoiado por registros sonoros e audiovisuais.

 

24/12/07
Camões é um poeta rap

Uma das primeiras reações que um turista tem ao chegar em um país diferente do seu, é tentar conhecer, ainda que minimamente, um pouco da cultura local. Sempre viaja-se com pequenas doses desses elementos peculiares a cada região ou a cada país. Ouvir um espetáculo de tango nas ruas de Buenos Aires; ver o Taj Mahal na Índia e comer gafanhotos assados; tirar uma foto do lado da Torre Eiffel em Paris; conhecer o Museu de Guggenheim em Bilbao, ouvir os fados em Lisboa. Pensa-se ainda que poderemos escolher tóxicos variados nos cardápios de Amsterdam ou ainda ser agraciado com o samba das mulatas do Brasil. Mas o que aconteceria se ao desembarcar na Islândia a recepção fosse feita com uma roda de pagode, muita caipirinha e doce de leite de sobremesa? Eu me sentiria em casa! Mas muita gente sentiria decepção.

Apesar das culturas manterem tradições e hábitos que as diferenciem umas das outras, existe um elemento que paira sobre todas elas: a globalização cultural. Trata-se de um aspecto inerente ao nosso tempo que não é permissível de ser negado, nem ao menos temido. Ainda que o conceito tenha caído nas mãos do mal uso, associado apenas ao mercantilismo imperialista norte-americano. Longe disso, a globalização cultural se relaciona a dois aspectos: a homogeneização e a heteronegeização.

Em Lisboa, local que, provisoriamente, encontra esse que vos fala, descobri uma artista que vivificou a teoria da globalização cultural e nem por isso perdeu a identidade nativa da cultura. Gisela Cañamero uniu a rítmica da lírica camoniana dos Lusíadas com os ritmos do rap e do hip-hop. A autora de “Camões é um poeta rap”, resolveu fundir duas culturas em favor da experimentação e de uma nova abordagem (Renato Russo, vocalista da Legião Urbana, numa outra abordagem, fez algo semelhante, mas em menor escala ao gravar “Monte Castelo” com parte da obra de Camões), para divulgação de um ícone da cultura lusitana de forma alternativa. Utilizou, segundo suas próprias palavras, uma performance poética com suporte multimédia onde o performer diz e canta os poemas, comunica e interage com o público, apoiado por registros sonoros e audiovisuais. (Veja em www.arte-publica.net). Aqui está a descrição dos conceitos de hetero e homogeneização. Percebe-se duas culturas locais interagindo, que proporcionam a homogeneização de uma cultura global, que, entretanto, mantêm tanto o ritmo do rap quanto as lírica da obra de Camões, preservadas na produção de Gisela. Mas o processo de globalização cultural é obra fictícia enquanto processo de universalização das manifestações artísticas/culturais do mundo? Esse seria o desfecho do pesadelo da mistura de identidades e assim a perda do que resta das pseudo-identidade/originalidade?

O professor Joost Smieres, autor de Arts Under Pressure: Protecting Cultural Diversity in the Age of Globalization (traduzido no Brasil: Artes sob Pressão: Promovendo a Diversidade Cultural na Era da Global, Editora Escrituras), que discute, entre inúmeros temas ligados ao mundo das artes, a questão desta tal globalização, acredita que esse processo de globalização na está direcionado ao terror do estabelecimento da American Way of Life pelo planeta ou coisas do género. Ainda que até nossos avós tenham absorvido elementos das culturas externas ao pedirem um hot-dog com catchup Heinz e mostarda Di Jon, a globalização cultural acontece de modo diferente. Não se trata de uniformizar ou repetir essa uniformidade, mas de estabelecer uma globalização criada a partir da diversidade presente nos quatro cantos do mundo. É assim que o antropólogo sueco Ulf Hannerz acredita na existência de uma cultura global enquanto assinalada por um organismo de diversidade, e não por uma repetição uniforme de padrões e modelos. Para que haja uma cultura global deve-se relacioná-la com reforços dos dois conceitos homo e hetero, citados acima. Homogeneizar é abrir canais de comunicação entres a diversidade das culturas locais sem que estas sofram interferências na produção de seus próprios significados a fim de massificá-la diante de um padrão dominante. Esse passo estabelece o conceito de heterogeneização das culturas locais ao mantê-las em perfeito equilíbrio interno, ainda que tenha contato com outras realidades diferentes à sua. Isso se dá porque as culturas locais possuem a capacidade de recriar e readaptar valores novos diante de elementos externos, elemento que mantêm protegida e prolongada a genuinidade da cultura local.

O antropólogo norte-americano Clifford Geertz assumiu que essas trocas não seriam capazes de tornar culturas distintas em culturas idênticas, já que a formação local depende muito mais de fatores internos do que externos. Ainda há casos de repressões à abertura das barreiras culturais a fim do estabelecimento dessas trocas de informações. O maior motivado continua a ser os oponentes ideológicos e políticos. Citam-se casos do fechamento de Cuba para sites norte-americanos, as culpas eternas atribuídas aos EUA por Hugo Chavez. E vai por aí. Há mais lugar para embates ideológicos aqui do que discussões sobre se “contaminações” sócio-culturais extinguiriam a organicidade das culturas locais.

As culturas locais são autênticas na medida que criam suas próprias definições a partir dos contatos com os elementos externos. Islandeses continuam a tocar pagode de um jeito Bjork de ser e os portugueses continuam a cantar rap de um modo lusitano e camoniano de viver. Perdem-se as barreiras culturais, mas continuam a genuinidade peculiar. Holandeses sambam com a Estácio de Sá com um samba que só eles sabem (ou não) fazer. Brasileiros conversam no metrô em alemão com a mesma sagacidade que o fazem no Brasil. Não há risco quando a uniformidade imperialista define os conceitos da formação cultural. Ao contrário, a homogeneização não implica a extinção das diferenças dos costumes e hábitos, das necessidades cotidianas e do consumo, e sim uma heterogeneização que alavanca o sentimento de fluxo entre as culturas a partir da presença de idéias, produtos e imagens comuns entre elas. Portanto, pensar num mundo globalizado culturalmente, não é pensá-lo uniforme e dominado por forças da hegemonia económica, ainda que ela se manifeste pelas marcas, etiquetas e grifes, mas interpretá-lo de forma a-territorial, onde as culturais estejam integradas pela abertura dos fluxos comunicacionais entre si, mas que a liberdade da criação e reinterpretação dos signos externos não esteja aliciada ao exercício tirano do consumo capitalista apenas para manter uma falsa padronização de conceitos que destroem a criatividade e a capacidade do ser humano em reinventar a vida. A globalização cultural, não teria outra razão a não ser esta: fazer do homem um cidadão do mundo. Apenas.


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Rodrigo Saturnino é jornalista, mestrando em Ciências da Cultura / Comunicação e Cultura na Universidade de Lisboa e tem um blog: www.nossoopiodecadadia.blogspot.com. Fale com ele: rodrigo@obinoculo.com.br



   
 

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