
21/02/08
Web arte: representações e
intervenções artísticas na rede
A formação
da rede mundial de computadores deu origem a um tipo de
arte denominada como Web Arte ou Ars Eletrônica.
A Web Arte, como o próprio
meio onde ela é produzida, apresenta diversidade
de conceituação. O pesquisador Fábio
Oliveira Nunes, em sua tese de doutorado, analisa diversos
produtos realizados para a Internet e conceitua a arte na
rede como aquela que é pensada levando em consideração
o campo de significados e as especifidades da Internet.
A Web Arte para Nunes não
está ligada aos sites de divulgação
ou de design hipermidia. Os sites de divulgação,
segundo Nunes, ao citar Gilberto Prado, são aqueles
que utilizam da estrutura da Internet para apresentar obras
de artes e diversos artefatos artísticos de maneira
digitalizada, como museus e galerias virtuais, funcionando
como um canal de informação e um tipo de incentivo
à visitações por parte dos usuários.
Para Nunes, as criações de designers são
produtos sem identificação com o conceito
da web arte, apesar de apresentar a plasticidade de criação
e a destreza no manuseio de softwares. Por conta da
primazia técnica, muitas vezes, produções
de design em hipermídia são consideradas
equivocadamente faturas artísticas,
esclarece Nunes.
O produto artístico
pensado para a web deve considerar as características
do meio para qual é produzido. No caso da web, aspectos
como efemeridade, tempo real, interatividade e a linguagem
como mensagem são importantes pontos a serem observados
pelo artista que pretende reproduzir sua poética
utlizando técnicas da produção na rede.
Na pesquisa, realizada em
2000, Nunes diferencia os trabalhos de web arte em três
categorias: 1) os sites narrativos. 2) Sites de Metalinguagem,
e 3) Sites Participativos, descritos abaixo.
Eu falo de mim mesmo
A arte sempre propiciou discussão
sobre sua própria existência. A contemporaneidade
da produção artística talvez seja o
período onde essa recorrência é bem
evidente. Desde o dadaísmo do non-sense até
a pop art de Andy Warhol, a arte descreve percursos que
veneram as novas linguagens e formas de expressão.
Com a manifestação dos novos suportes de comunicação
tecnológica, a auto-referência na arte está
reforçada pelo boom causado pela Internet. Na web
nascem linguagens poéticas que discutem o universo
estabelecido na rede: seus ícones, seus distúrbios
e falhas de informação, codificação
e diversidade de símbolos. O trabalho dos holandeses
Joan Heemeskerk e Dirk Paes Mans, exemplifica esse debate.
No site Jodi (www.jodi.org.br),
os artistas simulam situações imprevisíveis
ao usuário/espectador que deparam-se os medos mais
comuns ao usuário: presença de vírus,
deformações visuais na tela do computador,
ausência de botões para fugas, barra de rolagem
infinitas e perda de território na planície
da obra.
Há ainda os sites narrativos,
os que não estão, exclusivamente, preocupados
em discutir o meio utilizado para dar vazão à
poética do criador. Ao contrário dos descritos
àcima, a arte narrativa na web apresenta temáticas
que partem, muitas vezes, de assuntos externos ao meio utilizado,
como a literatura, cinema, vídeo, etc. Apesar de
utilizar o suporte da rede, os sites narrativos não
apresentam uma discussão intrínseca sobre
tal. O conceito de narrativo, segundo Nunes é categorizado
como trabalhos intersemióticos (Veja Roman Jakobson),
que traduz signos verbais por meio de sistemas não-verbais.
Os artistas Celso Reeks e
Thiago Boudhors utilizaram a web arte para discutir
a sacralização das imagens presente na obra
do pintor italiano Michelangelo Merisi da Caravaggio, importante
ícone do naturalismo e do barroco do séc.
XVI com a criação do site Sanctu (www.distopia.com/sanctu).
O site utiliza imagens do pintor, transformadas em imagens
pixelizadas para estabelecer uma leitura sobre a importância
da iconografia religiosa da época e a questão
da obra original diante da reprodutibilidade técnica,
tão bem tratada por Walter Benjamim. O site inspira
o usuário a perceber a poética dos autores
apontada para o suporte da web como um meio onde não
há mais originais. Na web, toda criação
torna-se cópia, na medida que diversos espectadores
têm autonomia para acessá-las por meio de computadores.
E, finalmente, há os
participativos. Estes priorizam a interação
do autor com seu espectador a ponto de transportá-lo
para dentro da sua criação. Em semelhança
com as instalações e intervenções
realizadas pelos artistas no mundo real, os
sites participativos de web arte trabalham a temática
com o fim de gerar comportamentos e interpretações
dos espectadores de forma não-linear, a ponto de
explorar a idéia de obra aberta. Para Peter Weibel,
arte digital é quase por definição
arte interativa, que desenvolveu práticas participativas
da vanguarda, até as converter em tecnologia interactiva.
Nesses casos, a intenção do autor é
de não ter um produto final, mas uma poética
revelada diante da intervenção alheia.
Os trabalhos do artista brasileiro
Eduardo Kac são referências internacionais
em relação a esse tipo de arte. Envolve ambientes
físicos com ambientes virtuais. Em uma de suas instalações
mais famosas, Rara Avis (www.ekac.org/raraavis.html),
Kac criou um mecanismo robótico que permite aos espectadores
interagirem com um ambiente físico e ainda envolver
pessoas conectadas através de um site criado. O artista
criou um pássaro mecânico com olhos robóticos
que permitem às pessoas, por meio de uma capacete
electrónico, ver o que o se passa dentro de uma gaiola
de rouxinóis. O capacete controla os movimentos do
pássaro e deixa o participante autônomo para
colocar sua visão onde preferir dentro da gaiola.
Todas as escolhas do participante
são, automaticamente, repassadas para usuários
na web que podem conhecer o percurso do olhar alheio. Essa
experiência descreve uma interação que
perpassa a questão tradicional dos sites populares
da web, feita por meio de chats, emails ou programas de
web cams, já que integra dois ambientes em sintonia
instantânea, característica inerente ao meio
que onde se localiza o produto intermediário da obra
Rara Avis.
Há de se falar dos
espinhos também
Além da discussão
que a web arte apresenta sobre ela mesma ou sobre o produto
final produzido, há de se considerar questões
como autenticidade e autoria, como elementos que reforçam
o fim da relação aurática, anunciada
por Benjamim, ou o fim da autoria, a partir de Foucault
e Barthes, e, atualmente, de Janet Murray, ao invocar a
idéia de autoria procedimental. A perda da aura para
Benjamim está relacionada mais com o sistema imposto
pela modernidade, do que a modernização descrita
pela reprodutibilidade técnica. A obra de arte perde-se
como veículo de desaceleração
da fruição para dar lugar às experiências
de choque causadas pelo consumo histérico do capitalismo.
Para Nunes, a Internet é
parte de um percurso de queda desta aura, fato que já
acontecia no advento das poéticas participativas,
antes mesmo da popularização do digital e
da interatividade. Nela, torna-se mais evidente pois é
também imaterial e de reprodutibilidade infinita,
mas não exatamente singular ou precursora no sentido
da inserção mais ativa - exceto pela práxis
telemática.
A web arte apresenta questões
indeléveis. A aura é a não parte de
sua retórica, já que o meio representa o espírito
invocado por Weber e desperta-se como representante do avanço
do produto reprodutível? Nunes acredita que a aura
permanece em determinados nichos - assim como os meios de
tempos distintos, as relações do espectador/interator
coexistem e não se excluem -, mas há uma postura
mais aberta e fluida quando o espectador possui certo papel
criativo nas poéticas, dando origem a uma nova forma
de autoria da obra de arte.
A Internet relê, mais
uma vez, o conceito de arte. Coloca a poética artística
diante do desafio de sobrepujar o sistema a ponto de causar
inevitáveis reflexões sobre a criatividade
humana. Entretanto, arrisca-se a perder o status classiscita
de original único, mas, ao mesmo tempo, abre-se a
tentar recriar sua própria importância para
o mundo dos indivíduos. Onde está a autenticidade
reclamada pela insight criativo? Com o opensource e o copyleft,
por onde andará o conceito de autoria sacralizada
pela crítica diante da interatividade exigida pelo
meio digital?
No livro, Hamlet no Holodeck,
Janet Murray discute essa nova forma de autoria a partir
do conceito de autor procedimental. Com o uso do computador,
o autor passa a desenvolver sua poética a partir
das regras dispostas pelos softwares e linguagens utilizadas
e não cria simplesmente um conjunto de sequências
interligadas, mas, afirma, um mundo de possibilidades associativas
dispostas para o interator. Para Murray, o autor procedimental
é aquele que fornece os elementos e as regras gerais
para gerar a interatividade com o usuário, deixando-o
livre para participar da obra a partir de suas próprias
escolhas dentro das regras oferecidas pelo criador. Há
uma combinação infinita de possibilidades
que podem ser recombinadas a partir do caminho percorrido
pelo interator. O autor procedimental utiliza-se da co-autoria
permissiva, originada pelo computador, e ainda se submete
à navegação outorgada ao interator
que presencia sua criação.
Para Roland Barthes, o autor
está morto, e quem dá vida à criação
é quem lê a obra. Barthes contesta a idéia
de que o autor é o verossímil detentor da
verdade poética ao afirmar que este é quem
articula as idéias já existentes, distanciando-se
da concepção de um gênio criador único.
O poder dado ao autor durante a Idade Média e nos
séculos posteriores era autenticada a partir do nome
signatário referente à criação.
A obra era o próprio autor. Barthes destitui o autor
sacralizado, ao colocar nas mãos do leitor o poder
de interpretar a obra do tradutor das poéticas recorrentes
nos diversos campos da vida.
Ao contrário de Barthes,
Foucault discute a relação do autor num nível
onde prevalece as estruturas de funcionamento da sociedade.
O autor em Foucault é aquele exerce a função
de autor. O nome do autor não está atrelado
diretamente a um indivíduo, criador de alguma obra,
mas liga-se a um estatuto canônico cultural, que lhe
imputa a autoridade da autoria da obra. Fazendo dele o senhor
da sua obra. Diante disso, Foucault (1992) descreve
a função-autor como uma característica
do modo de existência, de circulação
e de funcionamento de alguns discursos no interior de uma
sociedade. A obra, a autenticidade da criação,
está garantida, segundo Foucautl, a partir da canonização
feita pela atribuição dada pela crítica
como plano da modernidade de cercear e disciplinar a produção
artística. No período anterior, em relação
á autoria textual, por exemplo, as sociedades transmitiam
suas narrativas de geração a geração,
valorizadas a partir do acúmulo no tempo. Na modernidade
se dá pelo regime da propriedade, onde nomeia-se
um autor como forma de instituição da obra
na esfera cultural.
O advento da tecnologia de
informação subtrai todos estes aspectos atribuídos
à obra pela crítica ao introduzir questões
inerentes à sua forma reprodutível de uma
forma, outrora, desconnhecida. Na web arte a autoria da
obra aparenta uma abertura entre a poética final
do artista e a finalização do seu produto,
quando se leva em conta a especificidade interativa presente
neste novo suporte. O autor deixa a imagem de autonomia
criativa para dar lugar ao interator como novo autor. Através
de sua reorganização ao enfatizar caminhos
próprios, o interator pode alterar o significado
da criação artística. Portanto, é,
segundo Barthes, autor das próprias interpretações,
sem qualquer dependência dos objetivos primários
durante a criação da obra pelo autor.
A obra de arte, no suporte
web, não está predestinada a perder sua relevância.
Mas, certamente, perdera, desta vez ainda mais, sua unicidade
intocável, outrora atribuída pela crítica
ditatorial do espaço institucionalizado pela arte
medieval. Com a Internet, ela recria, reforça e descreve
a relação entre o observador e o criador.
Concebe uma nova forma de interação e intervenção
na poética do artista, que por sua vez, recebe de
volta a leitura causada no interator.
Roy Scott, ao descrever as
novas perspectivas para a arte do século XXI, elenca
diversas características, que, certamente, apontam
as especificidades que as compõem: A transferência
de personalidade, a transferência de idéias,
a telepresença, a criação indirecta
e a redefinição do conceito de autoria
de imagens, formas, sons e movimentos combinados
de modo pleno e sintético; a realização
virtual de conceitos, que tratam igualmente tanto o desconhecido
como o que até então era irreconhecível,
que tornam visível o invisível, que podem
albergar sistemas inteligentes, aqui entram no mundo na
forma de sua materialidade orgânica infinita, transformável,
interactiva.
Veja mais
1- Metalinguisticos
Jodi http://www.jodi.org/
Lands Beyond http://www.distopia.com/LandsBeyond/
Meta4Walls http://www.comum.com/diphusa/meta
<Content=no cache> http://www.desvirtual.com/nocache
2- Narrativos
Aller Antologia Labiríntica
http://www.refazenda.com.br/aleer/
Sanctu http://www.distopia.com/sanctu/
Cubos de cor http://www.rgbdesigndigital.com.br/atravesdoespelho/color_cubes/
3. Sites particpativos
Ceci nest pas um nike
http://www.desvirtual.com/nike
Rara Avis http://www.ekac.org/raraavis.html
Stelarc http://www.stelarc.va.com.au/
Leia
também
2007
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Rodrigo Saturnino é
jornalista, mestrando em Ciências da Cultura / Comunicação
e Cultura na Universidade de Lisboa e tem um blog: www.nossoopiodecadadia.blogspot.com.
Fale com ele: rodrigo@obinoculo.com.br
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