
15/11/07
Almodóvar é
genial?
Escrever sobre Almodóvar
é uma tarefa chata e nada difícil. Toda a
mídia e tantas vozes já descreveram o blá-blá-blá
de sempre: universo feminino, sexo, violência, sacanagem,
irreverência, quebra de tabus, independência.
Nada de ser pretensioso aqui, já que ele é
um dos meus diretores favoritos. Não o nego. E por
mera coincidência, ou não, por ocasião
do primeiro Festival de Filmes Europeus, realizado em Lisboa,
entre os dias 8 e 17 deste mês, Almodóvar foi
o homenageado da mostra.
Num encontro com o público
onde é realizado o evento, pude afinal conhecê-lo.
É a primeira vez que Portugal realiza um evento de
cinema competitivo de porte europeu. Reuniu três mostras:
uma competitiva, uma de não-competitivos e outra
com todos os longas de Almodóvar. O European Film
Festival, segundo um dos organizadores, Paulo Branco, não
tem nenhuma pretensão de se nivelar, por enquanto,
aos tradicionais, como os de Cannes e Viena, mas apresentar
a transversalidade e a diversidade do cinema europeu com
filmes russos, finlandeses, franceses, espanhóis,
entre outros. Apesar de Portugal não estar representado
na mostra competitiva, o encontro mostrou, além das
produções cinematográficas, a pompa
que todo festival de cinema deve ter. Deve ter? Enfim, realizado
em um dos cassinos mais luxuosos do país, o Cassino
Estoril, na cidade de Cascais, 30 km de Lisboa, com muitos
tapetes vermelhos, luzes (muitas luzes), e repleto de figuras,
como a presença das atrizes de Almodóvar,
Marisa Paredes e Victoria Abril, e ainda o italiano e diretor
de cinema Bernado Bertolucci, o norte-americano David Lynch
e Dominique de Villepin, da politicagem francesa. O Orozimbo
acha ele foda. Ele é tipo petista? A crítica
sobre os filmes cabe mais aos colegas do Retalhos Culturais,
já que minha participação no European
Film Festival foi meramente especulativa, verdade que queria
conhecer o dono de Saltos Altos, Negros Hábitos,
Volver, Fale com ela e tantos
outros. Era minha chance de verificar se as idéias
correspondem aos fatos. E correspondem. Almodóvar
é a narração dos seus roteiros.
Almodóvar
distribui autógrafos aos fãs
Em duas horas de perguntas
e respostas, mais respostas do que indagações,
Almodóvar parecia descrever as narrativas dos seus
filmes, entre gracejos, ironias, sacanagens lingüísticas
e manias hispânicas. Lá do fundo, alguém
levanta a mão e pergunta: De onde vem a sua
inspiração?. Para os que, pelo menos
uma vez na vida, puderam assistir a alguma de sus
peliculas, certamente saberiam que a resposta não
seria outra senão o cotidiano como principal motivador
das narrativas de Almodóvar. Agora mesmo já
estou me inspirando, a partir da sua pergunta, foi
o que respondeu o diretor. E afinal, qual seria outra fonte
de inspiração tão valiosa quanto o
nosso trágico dia-a-dia?

Marisa Paredes
Almodóvar é genial?
Almodóvar é criativo.
Se soubesse pintar, farias
obras de artes como Picasso e, se soubesse bordar, bordaria
lindos suéteres como minha avó fazia. Mas
Almodóvar é um excelente narrador. Consegue
transpor e superexacerbar o cotidiano a ponto de transformá-lo
em obras cinematográficas. Absorve a dor alheia,
a desgraça, o feio e o engraçado e estampa-os
aos nossos olhos, a ponto de considerá-los belos,
artísticos e irreais. Mas a dor, a diferença
dos gêneros, as escolhas sexuais, a pobreza e as delicias
do sexo interessam enquanto arte, e não enquanto
cotidiano. E, ao contrário disso, pareceu-me que
aquele homem que falava para o público reforçava
essa necessidade de despertar do sono que nos engole com
marcas, combinações, harmonias e ambições
capitalistas. Almodóvar não distribuirá
seus bens aos pobres, e certamente ganhará dinheiro
com a retratação da realidade que se nega
todos os dias. O que há demais em um juiz trabalhar
julgando casos e, à noite, como transformista num
dos bordéis da Guaicurus? Ou que há de mal
em transar com uma morta que nem mesmo pode responder aos
estímulos de um pênis ereto? Em Almodóvar,
não há problema. Parece-nos um espetáculo
da ficção, no qual mulheres, gays, travestis,
pobres, barangos e coloridos são estrelas de cinema.
Almodóvar leva o escárnio para as telas e,
por isso, recebe prêmios e aplausos. Que dirá
babações. A arte dele é feita pelos
negros que vendem sanduíches nas lojas do Mc Donalds
de Lisboa. Que se reservam a existir como tais apenas em
películas.
Almodóvar está
certo. Sabe observar, sabe narrar e pode realizar. Ainda
que ganhe grana com a tragédia humana, e assim o
merece, protesta nos seus longas, e faz do cinema sua voz
(muito piegas e utópico). O melhor de Almodóvar
parece ser ele mesmo, e não suas produções.
Fala histericamente e salta para muitos assuntos distintos.
Meus filmes contêm muitas histórias para
parecer que todos os personagens são importantes,
e assim não destacar demais um ou outro. Por isso,
sempre há diversas narrativas diferentes dentro de
um mesmo filme, explica.
Almodóvar representa
a si mesmo em seus filmes. Representa seus dramas, suas
incertezas. E nos longas, perde os limites do desejo humano.
Quando estou escrevendo o roteiro de um filme, não
me nego a nada, e não há nada ou qualquer
coisa que podem me impedir de fazê-lo, nem as próprias
barreiras que existem dentro de mim, confessa.
Para mais informações
sobre o European Film Festival acesse o site.
http://www.europeanfilmfestivalestoril.com/splash.html
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Rodrigo Saturnino é
jornalista, mestrando em Ciências da Cultura / Comunicação
e Cultura na Universidade de Lisboa e tem um blog: www.nossoopiodecadadia.blogspot.com.
Fale com ele: rodrigo@obinoculo.com.br
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