
13/09/07
A dança das fitas e
das cores
Eram cores misturadas à
diversidade da cultura popular. Alquimia de emoções
irresistíveis aos olhos. Eram pessoas marcadas pela
simplicidade e a alegria de celebrarem a conquista. Era
uma cidade que sempre fez parte de mim, onde eu estivesse,
mas que nos primeiros dias de setembro permaneceu como um
sonho mágico, inaugurando a primavera dos povos e
grupos que participaram do Festivelhas e Festival de Folclore,
realização do Projeto Manuelzão da
UFMG e Prefeitura Municipal.
Fitas coloridas dançavam
embaladas pelo vento. Os batuques dos tambores, as rezas,
as danças, os sons, os malabares, as oficinas e palestras,
os shows e as pessoas. Tudo integrado em favor de causas
nobres e poucos discutidas. Jequitibá, 120 km de
Belo Horizonte, pequena de porte, mas de vasta produção
cultural, consolidou sua participação no cenário
sócio-cultural com a realização dos
dois eventos simultâneos.
Do tempo, a força da
cultura, da tradição e da tranqüilidade
da cidade, que tomaram conta, não só de mim,
mas de pessoas estranhas àquele lugar, recebidas
em carinho e hospitalidade. São nomes singulares
que se agregam à força popular de defesa da
vida do campo, da arte, da beleza do regionalismo e do trabalho:
Nelson Jacó, Zé de Ernestina, Família
dos Bianos. São danças e ritmos irresistíveis:
Contra-danças, Fim de capina, dança do tear,
incelências, samba, congados, folia de reis. São
sons inimagináveis de violas, tambores, afoxés,
chocalhos. Eram interesses coletivos: preservação
do rio das Velhas, conservação do meio ambiente
e manutenção da cultura popular. Eram amigos
revividos, vistos e conversados: Rubinho do Vale, Marta,
Claudinha, família, turistas, micróbios e
curiosos. Gente preta, branca, sem cor, amarela, bronzeada.
Gente careta e gente não-careta.
Durante o dia o sol estraçalha;
a noite o frio complementa. Nuances de temperatura, de delírios,
de performances e figurinos. Roupas amarrotadas, pés
descalços, óculos ray-ban e chapéu
de sol. Calças coladas no corpo e maquiagem destacada.
Todos passeavam no meio da cultura, da riqueza que vem da
terra e da criatividade humana. Eram muitos palcos. Fernando
Sodré, Suíte para os Orixás, Chico
Lobo, Grupo Galpão. Fernando Brant, Tavinho , Neném,
Moura e Pedro Mestre.
Na missa conga, mistura do
sincretismo religioso, os bianos, como são chamados,
me impressionam pela cor, pelo som e pela tradição.
A Guarda de Nossa Senhora do Rosário é composta
de uma família só, fruto de diversas gerações.
Erlânia Maria Elias, 38, tem a pele linda, negra como
deveria ser. Nas mãos segura seu tambor. Bate incessantemente
diante da bandeira da santa de devoção. “Só
largo isso depois de morta porque é a minha maior
paixão”. Eu, que nasci na cidade, descobria
um novo mundo que deixei para trás, sem escolhas.
Olhava Erlânia feliz, respirando conceitos e valores
adquiridos pela graciosidade do dom, distantes das cadeiras
da academia e dos calhamaços.
Longe dos ritmos comerciais.
Perto das raízes mineiras. Longe da complexidade.
Perto da simplicidade. Longe dos embates intelectuais. Perto
da sabedoria popular. Rubinho do Vale sobe no palco principal.
Viola cheia de fitas e roupa de forrozeiro. A poeira levanta
e a voz de Rubinho também em defesa da música
regional. Descarta enlatados e rótulos. “O
forró também faz as pessoas tirarem o pé
do chão”. Apologista dos ritmos das raízes,
Rubinho não esconde ter seu preconceito contra ritmos
vendidos em série, e não tem medo de citá-los:
“O axé eu não suporto”.
E a festa continua. Poeira
no ar e Ivete esquecida. A celebração da vida
e da terra hipnotiza a multidão. Uma roda de sintonia
pela necessidade coletiva de envolver a todos se forma.
Oeu-população
de Jequitibá contextualiza sua própria cultura
nos quatro dias do Festivelhas. Comemora sua riqueza e reconhece
sua parte na construção da história
do Estado. Descobrem o quanto estão perto de si próprios
ao verem nas apresentações a projeção
da sua própria história. Eu estou ali, olho
tudo com avidez e fome de cultura. Longe e perto. Olho meu
irmão do meio, meu pai, minha tia da ponta, com olhos
brilhando, choro de alegria por terem conseguido levar e
transformar o cotidiano da cidade. Pulmões cheios
respiram incessantemente poesia, canções,
fábulas, crendices, religiosidade, amizades e a quietude
leve do canto sofrido das rezadeiras que encomendam as almas.
Quando criança, saí
de lá novo.Deixei as riquezas do lugar guardadas
para os seus moradores que se abriram mais uma vez, delicada
e gentilmente, para mim e para todos.De mim para mim novamente.
E de mim para quem se interessar.
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Rodrigo Saturnino é
jornalista, pós-graduando em Comunicação
Pública pela PUC Minas e e tem um blog: www.nossoopiodecadadia.blogspot.com
Fale com ele: rodrigo@obinoculo.com.br
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