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Longe dos ritmos comerciais. Perto das raízes mineiras. Longe da complexidade. Perto da simplicidade. Longe dos embates intelectuais. Perto da sabedoria popular.

Foto: As cantadoras de Jequitibá.
Crédito: Daniel Iglesias

 

13/09/07
A dança das fitas e das cores

Eram cores misturadas à diversidade da cultura popular. Alquimia de emoções irresistíveis aos olhos. Eram pessoas marcadas pela simplicidade e a alegria de celebrarem a conquista. Era uma cidade que sempre fez parte de mim, onde eu estivesse, mas que nos primeiros dias de setembro permaneceu como um sonho mágico, inaugurando a primavera dos povos e grupos que participaram do Festivelhas e Festival de Folclore, realização do Projeto Manuelzão da UFMG e Prefeitura Municipal.

Fitas coloridas dançavam embaladas pelo vento. Os batuques dos tambores, as rezas, as danças, os sons, os malabares, as oficinas e palestras, os shows e as pessoas. Tudo integrado em favor de causas nobres e poucos discutidas. Jequitibá, 120 km de Belo Horizonte, pequena de porte, mas de vasta produção cultural, consolidou sua participação no cenário sócio-cultural com a realização dos dois eventos simultâneos.

Do tempo, a força da cultura, da tradição e da tranqüilidade da cidade, que tomaram conta, não só de mim, mas de pessoas estranhas àquele lugar, recebidas em carinho e hospitalidade. São nomes singulares que se agregam à força popular de defesa da vida do campo, da arte, da beleza do regionalismo e do trabalho: Nelson Jacó, Zé de Ernestina, Família dos Bianos. São danças e ritmos irresistíveis: Contra-danças, Fim de capina, dança do tear, incelências, samba, congados, folia de reis. São sons inimagináveis de violas, tambores, afoxés, chocalhos. Eram interesses coletivos: preservação do rio das Velhas, conservação do meio ambiente e manutenção da cultura popular. Eram amigos revividos, vistos e conversados: Rubinho do Vale, Marta, Claudinha, família, turistas, micróbios e curiosos. Gente preta, branca, sem cor, amarela, bronzeada. Gente careta e gente não-careta.

Durante o dia o sol estraçalha; a noite o frio complementa. Nuances de temperatura, de delírios, de performances e figurinos. Roupas amarrotadas, pés descalços, óculos ray-ban e chapéu de sol. Calças coladas no corpo e maquiagem destacada. Todos passeavam no meio da cultura, da riqueza que vem da terra e da criatividade humana. Eram muitos palcos. Fernando Sodré, Suíte para os Orixás, Chico Lobo, Grupo Galpão. Fernando Brant, Tavinho , Neném, Moura e Pedro Mestre.

Na missa conga, mistura do sincretismo religioso, os bianos, como são chamados, me impressionam pela cor, pelo som e pela tradição. A Guarda de Nossa Senhora do Rosário é composta de uma família só, fruto de diversas gerações. Erlânia Maria Elias, 38, tem a pele linda, negra como deveria ser. Nas mãos segura seu tambor. Bate incessantemente diante da bandeira da santa de devoção. “Só largo isso depois de morta porque é a minha maior paixão”. Eu, que nasci na cidade, descobria um novo mundo que deixei para trás, sem escolhas. Olhava Erlânia feliz, respirando conceitos e valores adquiridos pela graciosidade do dom, distantes das cadeiras da academia e dos calhamaços.

Longe dos ritmos comerciais. Perto das raízes mineiras. Longe da complexidade. Perto da simplicidade. Longe dos embates intelectuais. Perto da sabedoria popular. Rubinho do Vale sobe no palco principal. Viola cheia de fitas e roupa de forrozeiro. A poeira levanta e a voz de Rubinho também em defesa da música regional. Descarta enlatados e rótulos. “O forró também faz as pessoas tirarem o pé do chão”. Apologista dos ritmos das raízes, Rubinho não esconde ter seu preconceito contra ritmos vendidos em série, e não tem medo de citá-los: “O axé eu não suporto”.

E a festa continua. Poeira no ar e Ivete esquecida. A celebração da vida e da terra hipnotiza a multidão. Uma roda de sintonia pela necessidade coletiva de envolver a todos se forma. Oeu-população de Jequitibá contextualiza sua própria cultura nos quatro dias do Festivelhas. Comemora sua riqueza e reconhece sua parte na construção da história do Estado. Descobrem o quanto estão perto de si próprios ao verem nas apresentações a projeção da sua própria história. Eu estou ali, olho tudo com avidez e fome de cultura. Longe e perto. Olho meu irmão do meio, meu pai, minha tia da ponta, com olhos brilhando, choro de alegria por terem conseguido levar e transformar o cotidiano da cidade. Pulmões cheios respiram incessantemente poesia, canções, fábulas, crendices, religiosidade, amizades e a quietude leve do canto sofrido das rezadeiras que encomendam as almas.

Quando criança, saí de lá novo.Deixei as riquezas do lugar guardadas para os seus moradores que se abriram mais uma vez, delicada e gentilmente, para mim e para todos.De mim para mim novamente. E de mim para quem se interessar.


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Rodrigo Saturnino é jornalista, pós-graduando em Comunicação Pública pela PUC Minas e e tem um blog: www.nossoopiodecadadia.blogspot.com
Fale com ele: rodrigo@obinoculo.com.br



   
 

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