03/04/08
O Fim da Era de Ouro
Depois de uma interrupção
forçada, voltamos a contar, em linhas gerais, a História
das histórias em quadrinhos, focada principalmente
na Indústria dos Quadrinhos de super-heróis
norte-americana.
Entre 1938 e 1945, a guerra
estourava na Europa real, mas suas consequências quase
não atingiam os heróis de quadrinhos. Espiões
nazistas em território americano era o máximo
que se mostrava da guerra nos quadrinhos da Timely e da
National, pelo menos inicialmente. O fato dos heróis
se manterem neutros é que simplesmente não
faria sentido que entrassem no conflito, já que apenas
o Super-Homem ou o primeiro Lanterna Verde (Alan Scott,
também conhecido como O Sentinela) sozinhos poderiam
arrasar as tropas nazistas em apenas um dia (isso sendo
pessimista). Por outro lado, se eles tinham esse poder,
não seria sua responsabilidade impedir as atrocidades
nazistas ao invés de simplesmente cuidar dos efeitos
colaterais? Essa neutralidade, especialmente da National,
seria explicada anos depois: seus heróis não
haviam entrado no front de batalha devido ao fato de Hitler
portar a “Lança do Destino”. Segundo
a mitologia criada em torno do artefato pela Igreja Católica,
a lança foi a arma usada pelo centurião romano
Longinus para ferir a Jesus Cristo durante a crucificação.
Nos quadrinhos da National (a moderna DC Comics) durante
a Segunda Guerra, toda a Europa ficou debaixo de uma barreira
mística, criada pelo ocultista Rei Dragão
a serviço de Hitler, utilizando uma máquina
energizada pelo Santo Graal e a lendária Lança
do Destino. Personagens místicos ou suscetíveis
a magia ficavam sob o domínio do Führer, e meta-humanos
comuns tinham seus poderes temporariamente cancelados. Esta
foi a explicação encontrada pelo o escritor
Roy Thomas para justificar o fato da Segunda Guerra no universo
da editora, com pesos pesados como O Espectro e Sr. Destino,
além dos supracitados Super-Homem e Lanterna Verde,
ao lado dos aliados, ter durado 10 anos, e não 10
minutos. Na década de 1990 o escritor James Robinson
refinou um pouco mais essa versão, transformando
a lança do destino em um superser à serviço
de Hitler. Otto Frenz, codinome Percival, tinha a capacidade
de anular os superpoderes de qualquer pessoa.
Já na Timely (atual
Marvel Entertainment Group) as coisas funcionaram de maneira
um pouco diferente. Apesar de seus personagens terem capacidade
sobre-humanas, seu nível de poder não era
tão grande como os da concorrência - a DC,
algo que se tornaria uma tradição até
a atualidade. Assim sendo, logo o soldado Steve Rogers (o
Capitão América) seria enviado incógnito
para o campo de batalha. Lá faria amizade com um
jovem recruta, James Buchanan “Bucky” Barnes.
Ambos combateriam a ameaça nazista representada não
só por Hitler, mas por seus braços direitos,
como o Caveira Vermelha, o Barão Zemo e o Barão
Von Strucker, dentre outros. A solução da
Timely foi um pouco melhor do que a da National: se há
super-seres aliados, porque o inimigo não teria a
mesma arma? Cientistas loucos e máquinas de destruição
em massa eram os principais recursos nazistas contra os
aliados. Vilões dotados de super-poderes, no entanto,
era um conceito que só seria estabelecido duas décadas
depois. Falaremos sobre isso mais tarde.
Aproveitando esse recurso,
a futura Marvel resolveu abrir espaço para novas
personagens e logo a Europa era tomada de assalto pelos
Invasores, primeiro super-grupo da editora. Liderados pelo
Capitão América, os Invasores contavam com
Bucky, o Tocha Humana, o Centelha – que seria uma
versão juvenil do Tocha, exceto pelo fato de ser
um adolescente mutante dotado de poderes e não um
andróide – Namor, Miss América, o Ciclone
e dois heróis britânicos, Union Jack e Spitfire.
Assim, a Timely refletia em seus quadrinhos mais ou menos
o que acontecia na Europa e, mais tarde, nas águas
do pacífico, quando os Estados Unidos entraram em
conflito com forças japonesas do Eixo.
A Era de Ouro durou até
pouco depois da Segunda Guerra. Com o fim do conflito e
o passar do tempo, as histórias em quadrinhos de
herói perderam popularidade para outros gêneros.
Talvez porque as ameaças enfrentadas até então
pelos heróis fossem eclipsadas por uma mais real:
a da Bomba Atômica e a Era Nuclear. “A Bomba
(...) marcou o final da Guerra. E o início do fim
de uma Era. O início do fim...da Era de Ouro”,
escreveu o roteirista James Robinson eu sua quase desconhecida
e, por isso mesmo, subestimada minissérie “A
Era de Ouro”.
Depois disso, ler aventuras
de indivíduos em uniformes coloridos aparentemente
perdeu a graça. Logo os quadrinhos policiais, de
suspense e, principalmente, terror e ficção
científica invadiriam as bancas e jogariam os heróis
para um limbo do qual só sairiam em 1956 e, consequentemente,
inaugurariam o período conhecido como “A Era
de Prata”. Antes disso, no entanto, veremos a ascenção
de uma editora seminal para os quadrinhos de terror dos
anos de 1950, a EC Comics e a consequente perseguição
que a mesma sofreu devido às teorias absurdas do
psicólogo alemão Fredric Wertham.
A decadência dos super-heróis,
o surgimento de uma nova geração de ícones
e muito do que se passou no Universo DC durante a Segunda
Guerra Mundial é retratado de maneira bem interessante
em “A Era de Ouro”, de James Robinson, Paul
Smith e Richard Ory. Na história, Robinson traça
um paralelo muito interessante entre o que acontecia com
os quadrinhos no mundo real ao mostrar a decadência
na qual os homens-mascarados mergulharam no período
logo após o conflito, em grande parte pelo fato de
não terem se envolvido no mesmo. Outro ponto positivo
da minissérie (em quatro edições, publicada
por aqui pela extinta Metal Pesado) é o fato de seu
foco ser direcionado para heróis hoje considerados
de segundo ou mesmo terceiro escalão da DC. Nomes
como Batman, Super-Homem e Mulher-Maravilha são sequer
mencionados.
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Rodrigo L. Monteiro é professor, formado em
publicidade e propaganda. Desde 2000 escreve para diversos
sites especializados em cultura pop, ainda que com um caráter
menos mainstream. Para falar com ele escreva para
rod_montero@hotmail.com.
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