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Aproveitei a visita de Mário à capital mineira para entrevistá-lo sobre questões polêmicas que rondam o jornalismo. Com jeito manso e muita simpatia, o ombudsman nem de longe parece ser o dono das severas e inteligentes críticas que, todos os domingos, aparecem na Folha de São Paulo.

Foto: Marcelle de Albuquerque Fernandes

 



23/10/07

Entrevista/ombudsman Mário Magalhães
Profissão perigo

“Jornalistas adoram criticar os outros e odeiam ser criticados.”

Atual ombudsman da Folha de São Paulo, o jornalista Mário Magalhães esteve em Belo Horizonte, no início de setembro, para discutir os rumos do jornal impresso. Em palestra com discussões acaloradas, realizada no Sindicato dos Jornalistas, foram debatidos temas como a necessidade do diploma de jornalismo, o sensacionalismo e a cobertura de escândalos políticos pela grande mídia.

Mário Magalhães é dono de vasta carreira no jornalismo. Repórter por vocação, já trabalhou em jornais como O Globo e O Estado de São Paulo, antes de ingressar na Folha de São Paulo, em 1991. Recebeu diversos títulos, como os prêmios Esso de Jornalismo e Lorenzo Natali, da União Européia, e Vladimir Herzog.

Aproveitei a visita de Mário à capital mineira para entrevistá-lo sobre questões polêmicas que rondam o jornalismo. Com jeito manso e muita simpatia, o ombudsman nem de longe parece ser o dono das severas e inteligentes críticas que, todos os domingos, aparecem na Folha de São Paulo.

Qual a importância do ombudsman em uma redação?

Na Folha de São Paulo, o ombudsman da não faz parte da redação, nem fisicamente, pois trabalha fora dela. Sua primeira função é intermediar a relação entre os leitores e a redação, encaminhando reclamações e outras manifestações para cobrar respostas, correções e demais providências. A segunda tarefa é produzir uma crítica diária do jornal, que pode ser lida sem restrições (confira em www.folha.com.br/ombudsman). Essa crítica é enviada, por e-mail, a todos os integrantes da redação, sucursais, Agência Folha e correspondentes no exterior. Uma coluna sobre jornalismo, que sai aos domingos no jornal impresso da Folha, também é de responsabilidade do ombudsman.

Por que, no Brasil, poucos jornais adotam a figura do ombudsman? Trata-se de resistência da imprensa brasileira?

O jornal cearense O Povo, a Radiobrás, os portais IG e UOL também contam com ombusdman, que, na Folha, foi adotado em setembro de 1989. Existem três hipóteses para o ombudsman não ter se disseminado na imprensa brasileira: o custo financeiro elevado para manter uma estrutura para trabalhar com independência e eficácia; o temor das chefias de redação em ter seu trabalho questionado de modo transparente, e a recusa de confirmar o pioneirismo da Folha, um jornal concorrente.

Muitos jornalistas têm dificuldade em aceitar críticas, principalmente em um espaço público como o jornal impresso. Como é lidar com a reação deles?

Jornalistas adoram criticar os outros e odeiam ser criticados. Portanto, é natural que haja resistência e reações às críticas. Hoje, contudo, os jornalistas da Folha compreendem bem melhor o trabalho e a legitimidade do ombudsman.

Qual o futuro do jornalismo impresso? Como convencer o leitor a pagar por notícias que pode ter “de graça” na internet?

Pesquisas nos EUA revelam que a maioria das notícias da internet é produzida por veículos impressos. No Brasil, a dependência é ainda maior. O jornalismo on line ainda é, em boa parte, veiculador da produção impressa. Seria bom que os serviços on line tivessem mais autonomia, pois teríamos maior pluralidade de fontes de informações.

O uso de agências é cada vez mais recorrente, tornando rara a figura do correspondente. O que o leitor perde com isso?

O corte nos elencos de correspondentes estrangeiros é lamentável. Em vez de ter acesso às notícias com olhar e interpretação de jornalistas brasileiros, o leitor recebe relatos destinados a leitores do Canadá, Brasil, Marrocos e Mongólia, que têm interesses e culturas distintas. Mas esse não é um fenômeno exclusivo do Brasil. O Boston Globe, dos Estados Unidos, cortou todos os correspondentes no exterior.

Situações recentes, como a cena do Ministro Marco Aurélio fazendo o gesto do “top, top” e as fotos das conversas dos ministros do STF, trouxeram uma velha discussão à tona: qual o limite entre público e privado? Até onde o jornalista pode ir?

O direito à privacidade e à informação pública podem conviver pacificamente, mas, muitas vezes, entram em conflito, como nesses exemplos. É preciso analisar caso a caso, para saber quando o interesse público está se sobrepondo ao direito privado. Dois ministros conversavam sobre questões referentes ao julgamento, e havia interesse público em conhecer aquelas informações. Portanto, achei justo publicar. Mas se eles tivessem combinando um jantar, às duas da manhã, não haveria interesse público e não se justificaria a publicação.

No caso do Ministro Marco Aurélio, havia um funcionário público qualificado, em um espaço público, e havia relevância em conhecer a atitude do governo em relação à informação publicada, com exclusividade, pelo Jornal Nacional.

Ainda sobre essa questão, o jornalista Ricardo Noblat afirmou, em texto recente, que a Folha envelheceu e se acomodou por ter preferido, a princípio, não publicar a matéria sobre essas trocas de mensagens dos ministros. O que acha da opinião de Noblat?

Discordo. Não identifico nenhum diário que produza um jornalismo melhor do que o da Folha no Brasil. Alguns jornais são demasiadamente parecidos.

Você publicou um livro sobre o tráfico de drogas. Como avalia a cobertura de ações policiais como a ocupação do Complexo do Alemão? E como abordar o tema sem ser sensacionalista?

O jornalismo policial melhorou muito. Na década de 50, o jornalista policial era o escrivão da delegacia. Apesar de hoje ser muito mais independente, esse tipo de noticiário continua marcado, fortemente, por abordagem oficialesca dos fatos. Isso pôde ser confirmado, recentemente, na morte de 19 pessoas no Complexo do Alemão, em que boa parte da imprensa não criticou as versões do governo do Rio. E os jornalistas não manifestaram ceticismo, qualidade inerente ao bom jornalismo e à boa reportagem. Portanto, a dependência das fontes oficiais no jornalismo policial é uma marca negativa.

Existe jornalismo factual sem opinião?

Não existe relato absolutamente objetivo, pois ele reflete nossa cultura e opinião. Reconhecer a objetividade como utopia não significa que não se deva buscá-la. Desprezo, por exemplo, as reportagens sobre a Venezuela em que se tenta impor opinião. Quero fatos, que me ajudem a formar meu próprio juízo.

Há uma tendência editorial de jornais e revistas em optar por textos mais curtos. Por que o senhor acha que os jornais mineiros Aqui e Supernotícia, e a nova revista Semana, da editora Abril, vendem tanto?

Porque há leitores que preferem textos assim. É legítimo atender suas necessidades, assim como é legítimo publicar uma revista como a Piauí, de textos mais longos.

É muito comum ouvir, dos profissionais mais velhos, frases como “vocês escolheram a profissão errada”, “vão passar fome”, e por aí vai. A situação é mesmo complicada? Como o estudante deve se orientar para conseguir ingressar na área?

Deve cursar jornalismo quem sente paixão pela profissão. Se for isso o que se quer, é preciso investir em formação para ser o melhor possível. Como diz Gabriel García Márquez, essa é a melhor profissão do mundo. As novas mídias trouxeram novas oportunidades de trabalho aos jornalistas.

Uma crítica recorrente é a de que os jornalistas são preguiçosos e não se aprofundam nos temas, produzindo sempre abordagens superficiais. Até que ponto isso é verdade?

Há jornalistas preguiçosos, bem como economistas, historiadores, bancários, cozinheiros e camelôs preguiçosos. Um desafio: cite-me um historiador do regime militar que tenha trabalhado tanto e bebido em tantas fontes como Elio Gaspari, ao escrever seus magníficos quatro volumes sobre a ditadura militar. E depois os jornalistas é que são preguiçosos. Quem avisa amigo é: traballha-se muito nessa profissão. Não é à toa que ela é uma das campeãs de infarto e dependência de álcool e drogas.

Que livros você indicaria para a biblioteca de um estudante de jornalismo?

Acho importantes os livros 10 dias que abalaram o mundo, de John Reed, Chatô, o Rei do Brasil, de Fernando Moraes, O Reino e o Poder, de Gay Talese, Relatos de um Naúfrago, de Gabriel Garcia Márquez e O rei do mundo, de David Remnick.

* Esta entrevista foi publicada originalmente no Jornal Impressão, Jornal Laboratório do UNI BH.



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Renato Rios Neto é jornalista e já foi vocalista da banda Carahter, que teve um CD lançado, mais algumas músicas gravadas por aí e fez turnês pelo Brasil, América do Sul e Europa. Ele se considera um boxeador frustrado e também apaixonado por literatura.
Fale com ele: xrenato82x@gmail.com

 

   
 

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