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Angu de Sangue, de Marcelino Freire ( Ateliê Editorial) é um verdadeiro cuspe na cara do leitor. O livro é composto de 17 contos curtos que não dão tempo para que a vítima, vulgo leito, respire.

 



07/11/07

Angu Indigesto?

Angu de Sangue, de Marcelino Freire ( Ateliê Editorial) é um verdadeiro cuspe na cara do leitor. O livro é composto de 17 contos curtos que não dão tempo para que a vítima, vulgo leito, respire. São 17 pedradas, sem remorsos, apenas o pior do que temos no Brasil.Tudo aquilo que a gente finge não ver, mas que gruda no inconsciente como um carrapato tinhoso, sedento por sangue.

O tom geral é de pura indiferença com a desgraça alheia. O autor se torna apenas um escriba do caos, não há maniqueísmos, porque não há a figura do bem. Temos uma tendência de sempre pintar o pobre como o bom selvagem de Rosseau, uma eterna vítima, dotada dos sentimentos mais puros. E os ricos como vilões, nadando em piscinas de dinheiro, como o Tio Patinhas de Walt Disney. Somos todos vilões de certa forma. O único ser angelical é uma criança estuprada em “Socorrinho”.

Há poucos momentos de felicidade, e, quando ela surge, surge no lixo. Aquilo que a sociedade rejeita é fonte de vida para alguns. E estes amam o lixo. Pessoas que sobrevivem felizes dos restos. Há o ditado que diz “você é o que você come”, o que, neste caso, nos leva a uma constatação chocante.

A caridade é desnudada também. Odiamos o mendigo e tudo que ele representa. Sua existência nos põe em cheque, pois como podemos pregar que somos bons e amamos o próximo, quando há alguém neste estado de miséria? Em “Volte outro dia”, o leitor pode se sentir estranhamente parecido com o personagem central do conto, que não consegue se desvencilhar do mendigo que insiste em lhe pedir esmola. A indiferença se torna em ódio assassino.

Quando o leitor acredita que vai respirar aliviado, vem outro tombo. Tudo nos leva a crer, em o “Filho do puto”, que o final será feliz. Que a notícia será boa e que não há motivo para tanto mistério por parte do Doutor. Mas a tensão vai crescendo, crescendo, e, no final, tomamos uma verdadeira bofetada. Porrada que é ampliada pela mesquinhez e preconceito do médico, personagem do conto.

É interessante ressaltar que o livro contém algumas experiências de estilo interessantes. Em “Socorrinho”, por exemplo, não há pontos finais, o que consegue aumentar ainda mais a vertigem e o turbilhão emocional da história. No conto “A cidade ácida”, o escritor consegue escrever como o personagem bêbado fala, ou seja, cortando as palavras bruscamente no meio. Esses recursos podem ser perigosos, visto que, quando usados por alguns escritores, acabam se tornando um caminho para o pedantismo, mas Marcelino conseguiu usa-los de modo a realmente intensificar os propósitos dos contos.

Pode até ser que o excesso de negativismo seja exagerado em alguns momentos, mas é olhar ao nosso redor para sabermos que a realidade nos leva a este niilismo. O herói do momento é o famigerado Capitão Nascimento, do filme Tropa de Elite. O ídolo da nação tortura mesmo. O nosso herói atira antes de perguntar. A platéia grita por sangue, seja fictício ou real. No conto “Troca de alianças”, Marcelino diz que “não é amor se não for salvação”. Então, talvez seja disso que precisamos para mudar um pouco as coisas. Amor. Salvação.

Ao final, fica a certeza de que o angu de sangue se torna indigesto, por ser extremamente verossímil. Mas é um angu que vale por uma verdadeira janta literária.


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Renato Rios Neto é jornalista e já foi vocalista da banda Carahter, que teve um CD lançado, mais algumas músicas gravadas por aí e fez turnês pelo Brasil, América do Sul e Europa. Ele se considera um boxeador frustrado e também apaixonado por literatura.
Fale com ele: xrenato82x@gmail.com

 

   
 

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