
22/08/07 -Quarta-feira
Barulho em torno do silêncio
Tramita na câmara municipal
de Belo Horizonte o projeto de lei 9.341, de autoria da
vereadora Elaine Matozinhos (PTB). A lei prevê a regularização
dos níveis sonoros permitidos após às
22:00. Resumindo, a tão polêmica lei do silêncio.
Até aí tudo bem, acredito que ninguém
sensato seria contra a regularização desse
tema. O problema são os limites impostos por essa
lei e os valores de multas propostos. De acordo com o projeto,
o valor máximo permitido em vias mais movimentadas
seria de 55 decibéis - o que equivale ao barulho
emitido por uma conversação normal - segundo
o Instituto Nacional de Educação dos Surdos
(INES). Nas áreas residenciais, o valor máximo
permitido seria de 45 decibéis, o que equivale a
uma televisão ligada em volume médio. Já
as multas, podem variar de R$ 2,5 mil a absurdos R$ 180
mil.
Limites são necessários, não estou
me opondo a isso. Mas limites viáveis e realistas.
Essa lei minaria todo o setor de bares e restaurantes da
cidade, além do setor cultural. Músicos, garçons,
taxistas, funcionários da rede hoteleira, donos de
bares, de restaurantes e de casas de shows seriam alguns
dos principais prejudicados.
Belo Horizonte tem tradição boêmia.
Já se tornou clichê dizer que a cidade é
a capital dos botecos. Além disso, temos uma forte
vocação cultural. Sepultura, Skank, Jota Quest,
Vander Lee, Pato Fu, Grupo Galpão, Sarcófago,
Grupo o Corpo, são nomes que vem a cabeça
sem qualquer esforço. Toda essa produção
artística gera renda e empregos para a cidade. Além
de gerar também prazer, conhecimento e interação
social para os habitantes. Será que com esses parâmetros
impostos pela lei todos esses nomes teriam tido a chance
de despontar?
Isso nos leva também ao conceito de cidade criativa.
Um conceito relativamente novo nas ciências sociais,
no qual Belo Horizonte se encaixa bastante. Cidades Criativas
seriam aquelas cidades com forte produção
cultural, científica e acadêmica. Uma das características
dessas cidades, segundo Richard Florida( economista americano,
autor de vários livros sobre o assunto), seria a
concentração boêmia. De acordo com o
pesquisador, isso atrai pessoas talentosas e criativas o
que aquece o desenvolvimento tecnológico e econômico
das cidades.
Mesmo com poucas políticas públicas de incentivo
a atividades criativas, Belo Horizonte conseguiu despontar
como uma cidade de forte produção cultural.
A lei do silêncio, do jeito que está proposta,
vem na contra mão dessa tendência.
O projeto da vereadora foi aprovado pela câmara e
transformado em lei. O prefeito Fernando Pimentel vetou
a lei, mas o seu veto foi derrubado pelos vereadores. Pimentel
entrou com uma ação direta de inconstitucionalidade
e a lei está impedida, até então, de
entrar em ação. Mas a vereadora está
tentando reverter o veto na câmara. Ou seja, por enquanto
o fim dessa novela ainda está indefinido. Provavelmente,
vencerá quem mobilizar mais forças.
A cidade precisa de discutir esse assunto com mais seriedade,
sem deixar com que a questão se torne simplória
e maniqueísta, como algo do tipo: cidadãos
de bem que querem dormir X vagabundos que fazem barulho.
Dessa discussão, quem sabe, poderemos definir logo
a identidade de Belo Horizonte, se aceitamos logo esse nosso
potencial criativo e tentamos incentivá-lo, ou se
vamos nos tornar uma grande cidade pequena e, então,
procuremos outra vocação.
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Renato
Rios Neto é jornalista e já foi vocalista
da banda Carahter, que teve um CD lançado, mais algumas
músicas gravadas por aí e fez turnês
pelo Brasil, América do Sul e Europa. Ele se considera
um boxeador frustrado e também apaixonado por literatura.
Fale com ele:
xrenato82x@gmail.com
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