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Para tantos o futebol é talvez a maior prova de que o Brasil é um grande país. Para muitos, a única prova. Por isso a camisa amarela pesa toneladas para seus jogadores e traz uma enorme responsabilidade – é nossa moral, nossa imagem em campo.

 

28/11/07
A Pátria sem chuteiras

Não jogo no time daqueles que já se empolgam com a realização da Copa do Mundo de 2014 no Brasil. Que aceitam que destinemos milhões de reais para a reforma do Maracanã, ao invés de, por exemplo, acabar de uma vez por todas com a seca no Nordeste; milhões para força militar para repressão das parcelas indesejáveis da sociedade nas datas festivas ao invés de investir na educação e saúde dos 255.000 moradores das 51 favelas do Rio ou das tantas de São Paulo, Salvador e por aí em diante. Para tantos o futebol é talvez a maior prova de que o Brasil é um grande país. Para muitos, a única prova. Por isso a camisa amarela pesa toneladas para seus jogadores e traz uma enorme responsabilidade – é nossa moral, nossa imagem em campo. Enfeitamos ruas, compramos televisões, camisetas, bandeiras, chuteiras, apitos, buzinas, fogos, chocalhos, patuás... Até os índios se unem para torcer por esse país, que passa a pertencer também a eles de quatro em quatro anos (caso se classifique). Espero que mesmo no caso de derrota nossa grande nação tupiniquim não perca seus “fanáticos”.

Apesar de torcedor, futebol sempre foi e ainda é para mim apenas um esporte, não uma paixão. Paixão é uma palavra precisa para designar o que sentem alguns torcedores, pois deriva do radical grego pathos, designativo de moléstia ou doença. Amar profundamente algo que nos faz sofrer e não nos traz nenhum benefício além do orgulho de ser quem somos é uma forma de paixão. A eliminação da seleção brasileira da Copa do Mundo de 2006 não justificava tanta frustração e revolta se se tratasse só de futebol. A seleção argentina, igualmente tradicional e favorita, não resistiu mais que o Brasil e ainda assim foi respeitada ao voltar para casa. Um jogo é assim, pode-se ganhar e perder. O que parece ter sido realmente perdido é a noção da dimensão de um torneio de futebol, chegando a se instaurar um “toque de recolher” ainda em jogos da primeira fase.

Passada a Copa, é com o Brasil de verdade que deveríamos nos indignar. A revolta que se sente é em parte por termos abreviado um dos raros momentos em que o brasileiro é favorito em alguma coisa e se une por uma causa nacionalista. Mas quantas vezes um time de futebol terá de perder para que possamos acordar da hipnose de panem et circenses e começar a “vestir a camisa” da educação, “dar raça” pela saúde e parar de “corpo mole” com a política? Um dos jogadores franceses afirmou, na véspera do jogo que eliminou a nossa seleção, que no Brasil joga-se futebol tão bem porque ninguém vai à escola (e pelo visto ele também andou faltando a algumas aulas). De fato, muitos alunos faltaram à escola exatamente por causa dos jogos do Brasil em 2006.

O esporte traz inúmeros benefícios a quem pratica, sem dúvida, mas não façamos dele uma forma de alienação social. É vital quando a bola passa finalmente a ser deixada um pouco de lado para que a formação do cidadão entre em campo. Afinal, apenas através da Educação teremos chance de vencer fora dos gramados. Um número suficiente de crianças (inclusive meninas) sonha em se tornar jogador(a) de futebol, que tal algumas sonhando em se tornar escritores, pesquisadores, políticos (no bom sentido)? Profissionais que nas horas vagas batam uma pelada.

Há por todos os lugares brados retumbantes que merecem nosso interesse e comoção como ao ouvir o Hino Nacional antes do jogo. A clava forte da Justiça, por exemplo, a lutar contra o poder paralelo do tráfico de drogas que mata, prostitui, vicia, corrompe e rouba milhares de craques; o verde do berço esplêndido, devastado ininterruptamente desde o descobrimento; os titulares da política sempre driblando regras do “fair play” bem em frente à “geral” de memória extremamente curta.

É preciso reconhecer que a luta pela vida em um país mais sério, igualitário e justo é e será bastante dura. Feita de muito trabalho, consciência, sentimento de civilidade e amor à Nação. Essa imensa partida (sempre a esperar que entremos em campo) parece esboçar um recomeço e novamente se extinguir de quatro em quatro anos. Isso também merece a paixão e a revolta de cada um de nós torcedores angustiados.

Por favor, geral, saia da reserva para não mais dependermos dos deuses do futebol!

 

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Rafael Silveira nasceu em Belo Horizonte em 1984 e vem vivenciando apaixonadamente o processo infinito de aprender a escrever desde os seis anos de idade. Não tem tempo para nada do que gosta, só para o que ama. Aí estão incluídos, além da literatura, música, pintura e cinema (como espectador). Cursa Letras na UFMG desde 2004. Editou seu "Pretérito Imperfeito", reunião de poemas, em 2005. Fale com ele: rafael1silver@gmail.com


   
 

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