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Manhã de sol na avenida dos Andradas, pessoas fazem caminhada em um cenário cinza de asfalto, blocos de construção e estruturas de ferro. Tentam encontrar ali um ambiente de lazer e bem-estar, apesar do entorno e do mau cheiro.

 

16/10/07
Arrudas, marginal no centro

Manhã de sol na avenida dos Andradas, pessoas fazem caminhada em um cenário cinza de asfalto, blocos de construção e estruturas de ferro. Tentam encontrar ali um ambiente de lazer e bem-estar, apesar do entorno e do mau cheiro.

Meu primeiro estranhamento para com ele se deu ainda na infância quando vi outros rios que não fossem tão escuros e que não tivessem leito de concreto. Ainda se comentava com receio na época das chuvas em Belo Horizonte sobre a grande enchente de 1987. Vinte anos depois especialistas afirmam que a inundação se repetiria caso chovesse tal e qual, apesar das intervenções na obra do Boulevard Arrudas, licitadas em mais de três milhões de reais. Grande parte dos rios que cruzam grandes capitais, como o Tietê em São Paulo, vive situações parecidas. Embora o ribeirão Arrudas seja hoje um corredor turvo e fétido cruzando a capital mineira e outros cinqüenta municípios poluidores em direção ao rio das Velhas, sempre tento imaginar como ele deve ter sido agradável no passado, em seu estado natural. Conheci de perto exceções a essa regra no velho mundo: participei de um piquenique embaixo da Pont Neuf, no coração de Paris, às margens do rio Sena, onde a principal (e valiosa) carga transportada são turistas; na Alemanha molhei os pés no rio Elba, em Hamburgo e quilômetros depois em Dresden; por Bremen, comércio e turismo povoam o rio Weser; a praia do rio Spree, que cruza a capital, Berlim, parece uma solução genial para quem não tem saída para o mar.

O que é agradável e lucrativo lá se torna motivo de constrangimento e ameaça aqui. Ao caminhar pelo Arrudas, após conhecer tais exemplos, o que sinto é um misto de pesar, vergonha e revolta. Em pleno século XXI é como se ainda fôssemos alienados o suficiente para permitir que um patrimônio natural como a bacia hidrográfica do rio das Velhas, do São Francisco e tantas outras no Brasil se convertam gradativamente em imensos esgotos a céu aberto. O problema possui implicações extremamente práticas: a água que bebemos e usamos diariamente depende do equilíbrio e da sustentabilidade das bacias, onde também é produzida a maior parte da energia elétrica utilizada no país.

Conscientização e exercício da cidadania precisam impedir que o uso não-sustentável dos recursos naturais fomente o desenvolvimento sócio-econômico. As alternativas ecológicas são um investimento não apenas na qualidade de vida, que deve ser o princípio e o objetivo maior de toda política pública, mas também no turismo. Em outros países existe claramente a idéia de que uma selva de pedra e esgoto é o caminho para a destruição não só da qualidade de vida de uma cidade como também de seu potencial econômico. O Brasil, com área e riquezas muito superiores à maioria dos países da Europa lucra em média dez vezes menos com turismo por falta de investimentos em infra-estrutura e planejamento. Cada área verde ou preservada que não se sustenta economicamente custa mais dinheiro ainda - para mantê-la e também para justificar sua não-exploração. O resultado é que as camadas mais baixas da população recorrem à depredação criminosa como a carvoaria clandestina (corte e queima de árvores), o tráfico de animais silvestres (a maior parte dos animais morre no caminho) ou a pesca predatória (de peixes a caminho da desova que não conseguem ultrapassar as barragens e represas artificiais).

Diante da dimensão de tais problemas parece leviano querer de volta o ribeirão já sujo que atravessa a cidade onde nasci. Mesmo os projetos mais otimistas de recuperação da bacia do Rio das Velhas, como o Manuelzão e sua meta 2010: "Navegar, pescar e nadar no rio das Velhas na região metropolitana de Belo Horizonte", não acreditam que o Arrudas possa voltar a ser limpo em seu trecho no meio da cidade. Mas não percamos as esperanças. Essa esperança muito mais no bom-senso, na civilidade, e previdência humanas que em um rio. Essa capacidade de estranhamento e revolta frente a um corredor de concreto e esgoto simbolizando abuso e abandono. Suas águas são um reflexo de nossa cidade, de seu corpo coletivo pulsante, de suas mazelas e de seu comportamento para com o espaço público. É a metáfora da transitoriedade das coisas e de sua infinitude em si. Eu o amo de luto. Gerações futuras, que talvez sejam privadas do ribeirão Arrudas e de muito mais, com certeza protestariam contra nossa inércia e descaso se já estivessem presentes.


Mas não estão.

 

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Rafael Silveira nasceu em Belo Horizonte em 1984 e vem vivenciando apaixonadamente o processo infinito de aprender a escrever desde os seis anos de idade. Não tem tempo para nada do que gosta, só para o que ama. Aí estão incluídos, além da literatura, música, pintura e cinema (como espectador). Cursa Letras na UFMG desde 2004. Editou seu "Pretérito Imperfeito", reunião de poemas, em 2005. Fale com ele: rafael1silver@gmail.com


   
 

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