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A grande questão da metrópole passa por diversidade e desigualdade. São palavras similares, mas antagônicas: a primeira, positiva, implica em opções a que se tem acesso morando na cidade; a outra, negativa, simbolizando que tal acesso é restrito aos que tem condições financeiras.

 

Petula Clark - Downtown

 

14/05/08
Vilarejo Downtown


Preso num congestionamento, apertado num ônibus ou quando tenho que enfrentar filas quilométricas no banco, cantarolo mentalmente a canção Downtown, da inglesa Petula Clark, como forma de auto-ironia.


When you’re alone / And life is making you lonely

You can always go / Downtown.

When you’ve got worries / All the noise and the hurries

Seems to help, I know / Downtown.


Quando se sabe que a maior parte da população mundial se comprime nos grandes centros é nostálgico ouvir apologias ao ambiente urbano como na letra de Downtown (centro da cidade, em inglês). Mais raro ainda é a homenagem ser tão bonita como essa canção, que, embora soando um tanto quanto ficcional em seu deslumbramento e otimismo exagerados para com a vida na cidade, ao mesmo tempo provoca resquícios de uma melancolia passada – quiçá interiorana; mas, sobretudo, poética – dos “bons tempos” das grandes cidades. Talvez esse tom seja por influência pessoal da cantora, nascida em Surrey, Inglaterra, em 1932, logo após o fim da época de ouro de cidades como Paris e Londres, com a quebra da bolsa de Nova Iorque em 1929. Um ano depois do nascimento de Petula, Hitler seria eleito livre e legalmente para sua escalada de extermínio da vida fervilhante da Berlim dos anos dourados e muito mais. Mas abandonemos esse pensamento e escutemos outra estrofe.


Just listen to the music / All the traffic in the city

Linger on the sidewalk / Where the neon signs are pretty

How can you lose / The lights, so much brighter there?

You can forget all your troubles / Forget all your cares!


A singela voz feminina nos convida a esquecer nossos problemas ao som do tráfego e à luz dos anúncios de luz neon. Repare no verbo – forget – esquecer, e não resolver os problemas. Uma suposta característica da ressaca de pós-modernidade ocidental: atalhar os meios aos fins, confundir diversão com felicidade. O dinheiro compra a primeira prometendo a segunda. Esqueçamos também isso por ora e nos concentremos na melodia. Como um viajante que adentra passo a passo a cidade de seus sonhos e percorre com os olhos a nova paisagem, os acordes vão crescendo lentamente até culminar com o refrão radiante, explosivo, alegre. Entrecortado pela palavra título da canção como se o ouvinte passasse de carro por uma avenida e contemplasse as vias laterais ao longo do caminho. Algumas intervenções de metais lembram buzinas de automóveis. Mas não num congestionamento, e sim num desfile.


So go Downtown! / Things will be great when you’re

Downtown / No final place, for sure

Downtown / Everything is waiting for you


Há muito não se convida as pessoas para vir morar na cidade. Nem é necessário. Mas embora eu me reconheça essencialmente urbano, há dias em que tenho vontade de fugir da agitação para um “Vilarejo”, como o cantado por Marisa Monte em canção homônima, caso existisse. A aglomeração, cada vez maior com a crescente longevidade, ansiosa por segurança e uma existência digna, sofre efeitos colaterais que produzem o inverso – insegurança e subsistência, causadas por má administração do bem público e nossa falta de consciência política e de cidadania. Infra-estrutura e segurança se tornaram raridade em qualquer “vilarejo”. Os preços, porém, são reajustados.

A grande questão da metrópole passa por diversidade e desigualdade. São palavras similares, mas antagônicas: a primeira, positiva, implica em opções a que se tem acesso morando na cidade; a outra, negativa, simbolizando que tal acesso é restrito aos que tem condições financeiras. Quem pode, procura se isolar das mazelas até quando der. Imagino que ser rico, especialmente no Brasil, deva gerar uma incômoda sensação de culpa. Assim como a pobreza causa angústia.

Bom... se há algo positivo na utópica fábula de Downtown é me desviar a atenção, como uma legítima “gentle bossa nova”, por três minutos e onze segundos da inexorável selva de (e do) concreto: Don’t wait a minute more! – diz a letra.

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2007


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Rafael Silveira nasceu em Belo Horizonte em 1984 e vem vivenciando apaixonadamente o processo infinito de aprender a escrever desde os seis anos de idade. Não tem tempo para nada do que gosta, só para o que ama. Aí estão incluídos, além da literatura, música, pintura e cinema (como espectador). Cursa Letras na UFMG desde 2004. Editou seu "Pretérito Imperfeito", reunião de poemas, em 2005. Fale com ele: rafael1silver@gmail.com

   
 

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