
11/12/07
Belo, aos meus olhos, Horizonte
Estranha sensação,
a de chegar a casa e não estar em casa. Os jornais
locais noticiam acontecimentos que são, para você,
quase sempre desinteressantes. Até que de repente
divulgam uma nota sobre sua cidade ou seu país no
noticiário local. É difícil vê-la
numa foto de jornal ou numa notícia na t.v., assim,
de relance, como quem esbarra em uma antiga namorada. Acompanhada.
Ela segue sua vida – a cidade – embora eu enxergasse apenas
os meus passos por suas ruas. No entanto, parece até
que suas luzes brilham um pouco mais tristes, como se sentissem
minha ausência. Ou seriam meus olhos já rasos
d'água? Minha vida já foi essa, de subir Bahia
e descer Floresta, e foi doce, embora dura. A hospitalidade
do Parque Municipal nunca me vem desacompanhada de mendigos
e meninos de rua.
Apesar de essa moça completar oficialmente cento e dez anos em 2007, acho que entre nós ainda rola muita coisa. Ela me viu nascer e crescer de calças curtas e cresceu por sua vez, muito mais. Foi se tornando mais importante, menos verde, movimentada e infelizmente violenta, de acordo com o aumento da minha liberdade de ir e vir e de minhas condições, talvez não de me proteger, mas de perceber os perigos. E mesmo tendo sofrido diversas vezes com a violência, tenho certeza de que nada disso é sua culpa; ela é, antes, mais uma vítima. O que me deu é o que podia dar e o que quer que faltasse apenas aumentaria meu desejo de lutar por isso. Lutar com palavras – essa luta vã e silenciosa, mas tão necessária.
Durante o tempo em que estivemos separados, por ocasião de uma viagem longa e longínqua que fiz, sei que ela deve ter sentido ciúmes e se perguntado se eu iria esquecê-la. Não acho que seja possível. Mesmo se eu quisesse, o que há dela em mim não se apagará nunca. Não é só sua existência física que me faz sentir em casa, nem apenas as pessoas que junto a ela moram. Nela estão plantados, incrustados como minerais, sentimentos que nos fazem irmãos, eu e milhões de pessoas. Praças, escolas, edifícios, cemitérios, becos, ruas e avenidas que são o palco de nossas histórias, boas e ruins. Vou caminhando e revivendo suas esquinas que são como marcas de expressão num rosto. Ao nos reencontrarmos, há sempre qualquer coisa diferente em ambos. Ela está sempre em reforma e eu, por sorte, também. Queríamos ter certeza de que mudamos para melhor. Depende do ponto de vista.
Enquanto estive fora, ao escrever-lhe algum poema, adormecia com olhos mareados, "cheios de Pampulha". Ninguém nunca entenderia o motivo de gostar tanto, dentre outras coisas, de uma lagoa, um viaduto, um ribeirão cinza e uma praça, como nos cartões postais que levei comigo. É que no reflexo das tuas águas, cidade de Belo Horizonte, sou eu quem aparece, complexo e subjetivo, como teu jogo de xadrez dentro da Contorno, que aos poucos se complica e se espalha num emaranhado de vales e morros que vão dar em algum lugar da minha vida.
Um horizonte é um ponto a que nunca se termina de chegar; e que a busca seja, em si, o encontro, me parece uma coisa linda. Não precisas ser maravilhosa, cidade, a mim basta que sejas horizonte para meus caminhos e bela aos meus olhos. Eu que sei desfrutar de sua poesia como se fosse a comida da casa da minha mãe. Nada mais te peço que essas lembranças olhadas de longe. Hei de saber-me eternamente perdido por tuas linhas e dedicar-te as minhas com profundo carinho de filho.
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dorma
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Rafael Silveira
nasceu em Belo Horizonte em 1984 e vem vivenciando apaixonadamente
o processo infinito de aprender a escrever desde os seis
anos de idade. Não tem tempo para nada do que gosta,
só para o que ama. Aí estão incluídos,
além da literatura, música, pintura e cinema
(como espectador). Cursa Letras na UFMG desde 2004. Editou
seu "Pretérito Imperfeito", reunião
de poemas, em 2005. Fale com ele: rafael1silver@gmail.com
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