
19/11/08
Obamania ou Somewhere
over the rainbow
Eu desconfio do recém-eleito
Presidente Obama, embora também não seja partidário
de McCain. A questão não é porque eu
não consigo engolir o otimismo fervoroso e a força
épica com que os candidatos se venderam, mas sim
porque qualquer um deveria acreditar que Obama vai conseguir
mudar alguma coisa. Change we can believe in ou
The change we need foram slogans da milionária
campanha, “mudanças nas quais podemos crer”
ou “Mudanças de que precisamos”. Que
tal Change we need to believe in ou “mudanças
nas quais precisamos crer”? Obama crê em si,
talvez até demais, se distanciando estrategicamente
de fatos, nos quais nós quase não conseguimos
crer, como uma nova onde de falências de bancos e
multinacionais, o colapso do mercado e a fortuna que foi
investida cegamente no salvamento da economia, sem que se
tenha pensado, nem por um instante, em tornar o mundo um
lugar menos desigual. Será que preferimos manter
a todo custo a obesa “América” no poder,
manter o status quo, ao invés de correr
o risco de uma nova potência econômica esquisita,
como a China, começar a dar palpite em tudo em mandarim?
O novo é incerto, o desconhecido assusta. A sociedade
norte-americana também me assusta com seu fanatismo
ufanista de comícios eleitorais que mais parecem
um show dos Stones. É bom os fãs aproveitarem
a dose de otimismo enquanto podem, pois a ressaca pode ser
proporcional à festa.
Embora torça
para estar errado, desconfio do Obama. No entanto, o choque
e a comoção por ele ser negro só reforçam
o quanto seu país e o mundo ainda são discriminados
e discriminadores. Querendo ou não isso esteve a
favor dele, embora seu discurso para com as minorias –
negros, latinos, imigrantes ilegais, etc. – e com
relação ao protecionismo econômico seja
mais duro que o de McCain. Mas minoria não parece
rimar muito bem com democracia, e como o nome já
diz, não ganham eleição. Uma avó
que morre antes do neto se tornar o “presidente da
nação mais influente do planeta” sim,
daria (ou dará, quem sabe...) um best-seller, ganharia
um Oscar de melhor roteiro. É isso que me parece
– uma superprodução hollywoodiana megalomaníaca.
Que não se confunda o primoroso filme, aqui chamado
de “Sangue Negro” (There will be blood,
2008) com essa temática, embora o avô materno
de Obama tenha trabalhado com extração de
petróleo. Talvez a liberdade de expressão
tenha entorpecido a vergonha dos americanos e tornado filmes
como esse, de crítica direta e declarada, e diversos
programas e seriados como American Dad, Family
Guy e The Simpsons, em algo trivial ou até
sarcástico para os integrantes da cultura que eles
satirizam. Humor negro (sem duplo sentido)?
A família
Obama agora está completa com a aquisição
de um Toto para sujar os gramados da Casa Branca. O show
cumpriu seu papel – convenceu e atraiu a atenção
de todos (inclusive a da lente do meu binóculo);
nos fez esquecer por instantes o custo da realidade, como
se cantasse Somewhere over the rainbow com a voz
de Judy Garland ou de Israel Kamakawiwo’ole; nos fez
sentir relacionados ao destino daquele país, que
nos faz sonhar e ter pesadelos dentro e fora da sala de
cinema. Por trás de tanta fumaça que tipo
de mágico se esconde?
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Rafael Silveira
nasceu em Belo Horizonte em 1984 e vem vivenciando apaixonadamente
o processo infinito de aprender a escrever desde os seis
anos de idade. Não tem tempo para nada do que gosta,
só para o que ama. Aí estão incluídos,
além da literatura, música, pintura e cinema
(como espectador). Cursa Letras na UFMG desde 2004. Editou
seu "Pretérito Imperfeito", reunião
de poemas, em 2005. Fale com ele: rafael1silver@gmail.com
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