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Será a água de Minas, seu solo macio e fértil ou talvez seu ar ameno que contamina seus habitantes com essa generosa dose de hospitalidade? Quem aqui se conhece não se esquece jamais.

 

27/05/08
Lembrança de Araxá

As boas lembranças da infância, talvez por estarem distantes e agora se apresentarem, talvez por significarem tanto, são doces como um sonho bom. E quando penso nisso me vem à cabeça as férias que passamos em Araxá, minha mãe, meus irmãos e eu, que de tempos em tempos me voltam à mente. Despertadas às vezes por cheiro de pão, café fresco e geléia de frutas, queijadinhas, compotas, iogurte batido com mel, mas ainda alguma coisa a mais que só havia lá. Um aroma característico, nas grandes mesas de café da manhã do hotel; desinfetante de pinho todos os dias de manhã e ao cair da tarde em todos os banheiros, feitos de azulejos de grosso vidro que coavam a luz e davam uma impressão de se estar nu mesmo antes de se despir. Dentro de um desses, através de um vão entre o cimento que os unia, alguém, muitos anos antes de eu ter estado lá, colocou uma bonita nota de cruzados novos, já sem valor. Sempre quis pegá-la e nunca consegui, até que nas últimas vezes em que lá estive a nota começava a criar fungos e a se decompor com a umidade. Assim se vão também as lembranças... Os vitrais das termas, com seus coloridos índios, jesuítas, tropeiros, animais, montanhas; os passeios de charrete e de bicicleta alugada com aquele ar fresco das árvores onde os pássaros faziam sua algazarra matutina; a fonte de água sulfurosa; a cascata de água natural; os arredores dos prédios e suas galerias mal iluminadas onde se encontravam "lembranças de Araxá" variadas; os vendedores dos mais finos doces mineiros que passavam com suas travessas cheias de doce de leite, papo de anjo, bolinhas de queijo, doces de frutas e outros mil que infelizmente não guardei os nomes; a misteriosa Fonte Dona Beija, mais tarde reformada, de onde corria água boa para matar a sede de longos passeios e os sabonetes pretos de lama com seus efeitos benéficos e cheiro agradável, que ficavam, depois, nas gavetas de nossas casas, distantes como um pedaço daquele chão, um fruto dele. Fora Barro Preto, do centro da cidade e de seus habitantes pouco conheci, exceto por um museu com peças e trajes históricos. Na praça vizinha ao Grande Hotel encontramos uma cadelinha de olhos rasos d`água, como se chorasse. Aliás, ela chorava mesmo, abanando o rabo pedindo carinho, e nos seguiu durante toda a volta que demos. Sentou-se quando sentamos, andou enquanto andamos, e nós ali, nos sentindo tão responsáveis por ela, eu e minha mãe. Por fim, apesar de ela estar bem suja, acarinhei sua cabecinha por um longo tempo, curando minha solidão com a sua, aparente (bem podia ser apenas fome). Quis tentar trazer-lhe alguma comida, mas fiquei aliviado ao perceber que uma hóspede já o tinha feito, além de um vendedor de doces que sempre jogava alguns ossos de seu almoço para ela, que já tinha seus contatos. Um ou dois anos depois, ao voltarmos e descermos do hotel até a praça para um passeio, eis que vem até nós a mesma cadelinha abanando seu rabo e chorando como se risse aos espirros, como se soubesse que voltaríamos, como se houvéssemos nos despedido não anos, mas apenas horas antes.

Será a água de Minas, seu solo macio e fértil ou talvez seu ar ameno que contamina seus habitantes com essa generosa dose de hospitalidade? Quem aqui se conhece não se esquece jamais.

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2007


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Rafael Silveira nasceu em Belo Horizonte em 1984 e vem vivenciando apaixonadamente o processo infinito de aprender a escrever desde os seis anos de idade. Não tem tempo para nada do que gosta, só para o que ama. Aí estão incluídos, além da literatura, música, pintura e cinema (como espectador). Cursa Letras na UFMG desde 2004. Editou seu "Pretérito Imperfeito", reunião de poemas, em 2005. Fale com ele: rafael1silver@gmail.com

   
 

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