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Apesar dos vários pontos em comum entre nossas economias e apesar de ser um país bastante globalizado, o mais interessante dos choques culturais que a atual anfitriã das Olimpíadas nos pode propor é a possibilidade de sair do nosso lugar estabelecido e nos reencontrarmos de uma forma completamente nova – desletrados, aculturados, indagados, revistos.

22/07/08
Ni hou ma?


Ni hou ma. Uma clássica introdução. Você... bem? Eu também, obrigado. Daí eu acrescentaria “Wo jiào Rafael” e veria no que dava. São umas palavrinhas em mandarim que aprendi através de um podcast da língua que me foi apresentado por um amigo. Estão transcritas para o nosso alfabeto, já que para aprender a escrever (e decorar os 5.000 ideogramas) é preciso outros métodos; esse é só para falar, embora os textos venham com transcrições em dois alfabetos, traduções e comentários. É realmente explicativo e simples - até onde é possível ser. Na segunda ou terceira lição surge uma questão intrigante que fiquei sabendo ser vital: Ni huì chàngge ma? A resposta fornecida pelo método para essa pergunta é ao mesmo tempo um álibi e um desafio: “Sim, eu sei cantar, mas não sei dançar.” Se por um lado você não vai ter que passar pelo ridículo de tentar dançar do outro lado do mundo como queria a pergunta, eu duvido que algum novato em putonghuà consiga cantar alguma coisa em mandarim num karaokê. Uma lição ensina ainda que duí (pronuncia-se duêe, significa “correto”) pode servir para manter uma conversa fluindo quando repetido várias vezes, mas também pode te meter numa bela enrascada. É só imaginar-se dizendo sim para aquelas pessoas que ficam nas calçadas do centro aqui oferecendo conveniências financeiras como empréstimos e cartões de crédito. Ainda não aprendi a dizer “não” em mandarim, mas tenho certeza de que se eu gritar alto, arregalar os olhos e fizer cara de desesperado, vão entender. Ou não, já que gritar, ao invés de apenas expressar raiva ou medo, também está ligado a canalizar sua energia, espantar maus espíritos, como ao se desferir um golpe de arte marcial. Uma amiga chinesa que possui uma floricultura em minha cidade certa vez me explicou algumas coisas sobre os sons. Ao beber chá, por exemplo, é preciso fazer aquele barulho de líquido sendo sugado, como fazem aqueles sugadores de saliva usados pelos dentistas em alguns procedimentos. Eliminar eventuais substâncias que estejam incomodando o corpo – escarros, flatuências, arrotos, espirros - também é recorrente. Embora lá, após epidemias como a gripe asiática, quem está gripado costume usar uma máscara facial protetora que impede que o vírus se propague nos diversos ambientes comuns fechados das cidades como metrô, ônibus, escritórios, etc. A máscara pode servir simplesmente para se proteger da poluição do ar que assola o “Reino do Meio”, causada em grande parte pela queima de carvão para a produção de energia – e de sujeira. A propósito de sujeira, imagino que, assim como no Japão, talvez na China os banheiros também sejam separados das duchas, ou seja, há um cômodo onde se faz as necessidades e um outro onde se toma banho. Pois para algumas crenças a ablução está associada à purificação espiritual - não combina com latrina. Não pretendo com essa comparação de Japão e China de alguma forma generalizar a cultura oriental – como quando vamos a um restaurante que serve comida japonesa, chinesa e mineira com café árabe na saída. Não o faria nem com os autores consagrados da própria literatura milenar, como Confúcio, Lao Tsé, Sun Tzu (perdoem por citá-los juntos), dentre outros. Apesar dos vários pontos em comum entre nossas economias e apesar de ser um país bastante globalizado, o mais interessante dos choques culturais que a atual anfitriã das Olimpíadas nos pode propor é a possibilidade de sair do nosso lugar estabelecido e nos reencontrarmos de uma forma completamente nova – desletrados, aculturados, indagados, revistos. Daí surge a possibilidade de quebrar com automatismos inerentes à cultura em que fomos criados, como certezas, preconceitos, alienações, ideologias, preferências. Surge a possibilidade não de se tornar menos brasileiro ou nativo de onde quer que seja, mas sim de se tornar menos estrangeiro onde quer que se vá – seja Shashi, Shashe, Sheyenne, Shivta, Shabunda, Xanten ou Xerém. É uma bela medalha para se buscar, embora todo prêmio e toda competição não passem de uma metáfora da tentativa de superação dessa profunda incompletude e limitação humana.

 

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2007


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Rafael Silveira nasceu em Belo Horizonte em 1984 e vem vivenciando apaixonadamente o processo infinito de aprender a escrever desde os seis anos de idade. Não tem tempo para nada do que gosta, só para o que ama. Aí estão incluídos, além da literatura, música, pintura e cinema (como espectador). Cursa Letras na UFMG desde 2004. Editou seu "Pretérito Imperfeito", reunião de poemas, em 2005. Fale com ele: rafael1silver@gmail.com

   
 

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