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Causa-me enorme angústia voltar à realidade depois de imersões prolongadas nesses Reinos das Desutilidades – lugar onde, para Manoel, o cu de uma formiga é mais importante que uma Usina Nuclear.

Foto retirada daqui: flickr.com/photos/cantodaimagem/1360282137/

19/08/08
Sobre Livro Sobre Nada e Rosa secular

“Há muitas maneiras sérias de não dizer nada, mas só a poesia é verdadeira.” Essa poesia é a linguagem usada por Manoel de Barros para (des)escrever o nada. O leitor desavisado poderá imaginar estar diante de uma grande piada, levada às últimas conseqüências, mas a “graça” dos poemas é bem outra, relativa ao sublime. Supostamente escrito em idioleto manoelês arcaico, a “apologia ao ínfimo” está dividida em quatro capítulos – “Arte de infantilizar formigas”, “Desejar ser”, “O livro sobre nada” e “Os Outros: o melhor de mim sou Eles” – embora se preste bem ao acaso de se abrir uma página qualquer para constatar sua profundidade concomitante à “vontade de obsolescência”. Não há contradição: são “brinquedos de palavras”; não é um livro para se ler, mas para se desler, para se banzar, como quando se espera que o sono venha. O leitor ideal, segundo o poeta, seriam as pedras.

Saio dos livros de Manoel de Barros quase sempre com uma impressão de vazio criativo, fenômeno semelhante ao que me ocorre após ler João Guimarães Rosa. Como fazer brotar flor em terra devassada? Para que algo de belo nasça de uma ferida é preciso suplantá-la, é preciso ser maior que ela em significância. Da ferida, então, abre-se a chave da existência: “A gente morre é para provar que viveu” – arrematou João, em novembro de 1967, pela sua posse na Academia Brasileira de Letras, que praticamente coincidiu com seu “encantamento”, sua “descordificação” (um enfarte) – sua morte física derradeira. E “ficamos sem saber o que era João e se João existiu de se pegar” (Drummond). Era míope, mas escrevia. Era médico como foi soldado. Era rebelde e diplomata. Vaqueiro poliglota.

Ao lê-los, Manoel e João, João e Manoel, é como se eu visse alguém brincando com enredos como brincaria uma criança de destruir um formigueiro numa remota Cordisburgo entre veredas que já não há. O mais assustador, por conseguinte, é voltar à realidade e descobri-la tão ou mais ficcional que a literatura.

“Até as coisas que ele pensava, precisava contar ao Dito, para o Dito reproduzir com aquela força séria, confirmada, para então ele acreditar que era mesmo verdade.”

João por vezes me lembra James (Joyce), voltando sempre em pensamento à sua terra natal povoada de angústias e finais trágicos que fazem o leitor fechar o livro e amargar uma dor alheia. Como delineou Lobo Antunes: “Meu livro é para ser apanhado como uma doença”. Uma doença antes cordial que cardíaca. Prosavam como quem versa. Versavam como quem dança:
“ ‘Bem: eu cuspisse dentro da sopa, você tinha escrúpulo de tomar? Você gosta de mim de todo jeito?’ Asco nenhum. O cuspe dela, no beijar, tinha pepego, regosto bom, meio salobro, cheiro de focinho de bezerro, de horta, cheiro como cresce redonda a erva-cidreira”. (In: Corpo de Baile)

Causa-me enorme angústia voltar à realidade depois de imersões prolongadas nesses Reinos das Desutilidades – lugar onde, para Manoel, o cu de uma formiga é mais importante que uma Usina Nuclear. Talvez seja mesmo essa a intenção: a comunicação do nada universal, do sertão no coração, do exílio interior, que encontrassem eco nos outros nadas existentes e se soubessem insopitavelmente ricos. Ricos pela perda alheia da simplicidade que os faz eternos, incomuns e frágeis.

“Todo caminho da gente é resvaloso. Mas, também, cair não prejudica demais – a gente levanta, a gente sobe, a gente volta” - prosa o Rosa.
Frente a minha surpresa e fascínio para com as obras, cada uma delas parece me perguntar: – Mas por que é que duvidaste de mim? – como se fossem crianças do cerrado, de olhos enormes e doídos como botões, embotados de infância.

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2007


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Rafael Silveira nasceu em Belo Horizonte em 1984 e vem vivenciando apaixonadamente o processo infinito de aprender a escrever desde os seis anos de idade. Não tem tempo para nada do que gosta, só para o que ama. Aí estão incluídos, além da literatura, música, pintura e cinema (como espectador). Cursa Letras na UFMG desde 2004. Editou seu "Pretérito Imperfeito", reunião de poemas, em 2005. Fale com ele: rafael1silver@gmail.com

   
 

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