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A maior multa, cobrada diariamente pela impunidade, são os tropeços de se sobreviver e conviver com as conseqüências da nossa falta de consciência. A irresponsabilidade é uma forma de culpa, uma vez que estar apto a refletir e não o fazer é assumir o possível erro gerado por uma ação.

 

11/06/08
Re ciclos

O designativo coloquial da profissão foi herdado de um antropônimo: um antigo funcionário da Companhia de Limpeza Urbana do Rio de Janeiro que se chamava Aleixo Gary. Já foram chamados também de “laranjinhas” devido à cor de seu uniforme, que lhes permite serem vistos, embora não sejam reparados. No Brasil são inúmeros, podem ser vistos pela cidade em diferentes horários, principalmente nos centros urbanos ou locais de grande concentração de pessoas, como a feira dominical da Avenida Afonso Pena, em Belo Horizonte. Tão ou mais fácil que encontrá-los é encontrar muito lixo e poucas lixeiras pela cidade (em estado de uso). Por onde começar? Gastando em mais lixeiras que logo serão roubadas ou destruídas? Contratando mais funcionários de limpeza para seguirem o rastro de cada inconseqüente que suja a cidade? Educar cidadãos que muitas vezes têm no próprio lixo sua única fonte de renda ou moram em lugares sem saneamento básico e coleta? Ou outros que, mesmo possuindo qualidade de vida, não sabem o que é comportamento social? Guardo o papel de bala no bolso e sigo tropeçando em sacolas plásticas e espigas de milho roídas.

São sintomas da relação entre ambiente público e impunidade. Ao invés do bem público ser entendido como algo “de todos, para todos” é entendido como algo “de ninguém” e “para quem quiser pegar”. Não foi apenas o nome que os garis herdaram da antiga corte fluminense, mas também o fardo do desprezível rito colonialista de que haverá sempre um empregado para limpar a bagunça, recolher o prato, apagar a luz. No âmbito privado da sociedade - a família - esse papel ainda é geralmente relegado à mulher; na vida pública, a instrumentos do governo, nem sempre efetivos, como o Sistema de Limpeza Urbana, e a catadores de resíduos recicláveis. Por associação com família, a imagem que me vem dos que não sabem usar a lixeira é a de uma criança crescida, incapaz de usar o penico, que ainda precisa ter as fraldas trocadas. Nunca conheci alguém que tivesse sido multado por jogar uma bituca de cigarro na rua. Mas então é preciso ser multado? A maior multa, cobrada diariamente pela impunidade, são os tropeços de se sobreviver e conviver com as conseqüências da nossa falta de consciência. A irresponsabilidade é uma forma de culpa, uma vez que estar apto a refletir e não o fazer é assumir o possível erro gerado por uma ação.

Não se preocupe: o emprego dos garis estará garantido mesmo se todos se tornarem cidadãos conscientes, pois as folhas e flores das árvores ainda cairão; o vento ainda soprará poeira; a chuva carregará a terra e por um bom tempo ainda molhará nossa crescente frota de veículos e inundará nossas estagnadas avenidas, nos dando a impressão de que São Paulo não fica tão longe. Isso por causa de um passado remoto, muito distante, em que o lixo que se jogava nas ruas, nos rios, no mar e em terrenos baldios entupia os bueiros, alimentava e fazia proliferar transmissores de doenças e males. O gari do futuro terá condições de se especializar em coleta seletiva e reciclagem, reutilização de materiais e preservação ambiental.

A maior homenagem que se pode fazer aos garis no dia desses profissionais e no dia mundial do meio ambiente é despertar o gari que há em cada um de nós e cuidar com consciência de nossos resíduos. Afinal o lixo nada mais é que produto imediato de um estágio num ciclo em transformação, que só através do nosso esforço pode ser renovável e agradável – o ciclo da vida humana na terra.

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2007


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Rafael Silveira nasceu em Belo Horizonte em 1984 e vem vivenciando apaixonadamente o processo infinito de aprender a escrever desde os seis anos de idade. Não tem tempo para nada do que gosta, só para o que ama. Aí estão incluídos, além da literatura, música, pintura e cinema (como espectador). Cursa Letras na UFMG desde 2004. Editou seu "Pretérito Imperfeito", reunião de poemas, em 2005. Fale com ele: rafael1silver@gmail.com

   
 

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