
10/08/08
Quem não bebe,
não teme?
A clássica proposta
de redação rende mais um fruto: nessas férias
uma das minhas atrações preferidas foi um
documentário televisivo sobre lugares exóticos
que, por hora não posso nem quero visitar, a não
ser em pensamento. Nem a China, que já é lotada
e agora deve estar entupida de turistas, nem as esquinas
do estado de Minas. Viajar é excelente, aqui ou lá,
concordo. Mas para a China eu não iria porque, apesar
de gostar de ser turista, prefiro descobrir a cidade como
um usuário cotidiano. Como o faria nas esquinas de
Minas, para onde não fui por vários motivos,
alguns pessoais, outros, nem tanto, como leremos. Um deles
está indiretamente ligado à crônica
que se segue, que seria a séria contribuição
de hoje:
O Brasil deu um passo
importante ao promulgar a lei que torna mais severa a pena
para quem dirigir com mais de 0,01 mg/L de álcool
no sangue (valor que deverá ser alterado para 0,0332
mg/L, de forma que medicamentos, xaropes, bombons de licor,
enxaguantes bucais e similares não possam comprometer
o exame do etilômetro). Um passo que não poderia
deixar de ser polêmico, tal qual a lei que proibia
a venda de bebidas ao longo de estradas federais e como
a lei que proíbe o fumo em bares e restaurantes na
Alemanha há algum tempo. A nossa ficou conhecida
como “Lei Seca”, embora não proíba
o consumo de bebidas alcoólicas, como nos Estados
Unidos de 1920 a 1933. “Lei sóbria” seria
uma alcunha mais adequada, embora pouco condizente com a
insatisfação e inquietação dos
nossos motoristas. Após menos de um mês em
vigor ela já havia reduzido em 21% o número
de mortes no trânsito; em julho a redução
foi de 14,5% - índice que continua, no entanto, alto.
Essa redução tende a oscilar, uma vez que
o impacto das leis costuma ser maior ao entrarem em vigor,
tanto pela sua ampla divulgação quanto pelas
medidas de fiscalização adotadas que afastam
a sensação de impunidade e garantem o cumprimento
das regras. São essas medidas de fiscalização
que determinam se a lei vai “pegar” ou se ela
se tornará mais uma das tantas resoluções
ignoradas pelos motoristas, como falar ao celular ao dirigir,
respeitar a preferência do pedestre na faixa, etc.
A severidade das penas, afinal, não serve de argumento
para quem realmente desejar cumprir a diretriz principal
pretendida – não beber se for dirigir. Como
era de se esperar, os principais queixosos são comerciantes,
fabricantes de bebidas e donos de bares e hotéis,
cujos faturamentos caíram sensivelmente.
As drogas legalizadas
aqui matam mais que as ilegais, em grande parte pelo fato
de que muitos usuários não se dão conta
do seu nível de dependência (seja fisiológica
ou cultural). Quem precisa beber (bebida alcoólica)
para se divertir não pode querer dirigir e arriscar
vidas só pelo ímpeto leviano de ter um happy
hour. A maior parte dos acidentes de trânsito se dá,
de fato, à noite, nos fins de semana e feriados,
segundo dados dos departamentos de controle de trânsito
nacionais.
Poucas coisas são
tão públicas e interativas quanto o trânsito.
Nele você está frente a frente e lado a lado
(infelizmente mais frente a frente que lado a lado) com
outros seres humanos (espera-se), e as regras que regulam
esse delicado contato devem sempre valer, para todos e cada
um, com primazia da principal qualidade de pessoas civilizadas
– o bom senso. Aqueles que preferem que ninguém
seja punido para também não serem, não
podem querer justiça quando forem desrespeitados
– não se reclama de um produto pirata, por
exemplo, apenas se lamenta. É a lógica da
vida em sociedade: direitos e deveres, não necessariamente
nessa ordem respectiva. A lei sóbria é um
remédio amargo que deve incentivar a prevenção
de um mal ainda maior, e não causar desgosto e frustração.
Quem não se arrisca nunca vai precisar temer nem
tomar uma colherada do xarope. Em outras palavras –
quem não bebe, não teme.
Então... Nesse
ponto do texto tive a impressão de contradizer sensações
que tenho ao avistar uma blitz, especialmente após
a divulgação de tantos inocentes assassinados
“acidentalmente” pela Polícia Militar
do Rio de Janeiro. Como meu documento de licenciamento anual
de veículo deste ano ainda não chegou, fiquei
muito assustado ao passar recentemente por uma barreira
policial em uma avenida escura da capital, de madrugada.
E eu não havia bebido nem usado nenhuma droga (fora
refrigerante). E as taxas estavam todas pagas.
O site do Detran esclarece,
em resposta a um e-mail que enviei semana passada, que,
segundo a portaria nº. 2.921 de 2008, veículos
de final de placa 1, 2, 3, 4 e 5 terão até
julho para receber a licença renovada, e os de placa
com final 6, 7, 8, 9 e 0, que é o meu caso, até
agosto, em razão da paralisação dos
servidores da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos
e etc.
É muito chato
ter que admitir, mas, em alguns casos, mesmo quem não
bebe e não deve, teme.
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Rafael Silveira
nasceu em Belo Horizonte em 1984 e vem vivenciando apaixonadamente
o processo infinito de aprender a escrever desde os seis
anos de idade. Não tem tempo para nada do que gosta,
só para o que ama. Aí estão incluídos,
além da literatura, música, pintura e cinema
(como espectador). Cursa Letras na UFMG desde 2004. Editou
seu "Pretérito Imperfeito", reunião
de poemas, em 2005. Fale com ele: rafael1silver@gmail.com
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