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Alguns anúncios divulgam brasileiras em clubes de shows adultos. Não cheguei a conversar com nenhuma compatriota – a entrada já era paga –, mas entendi que por trás de cada uma ali estava um “agente” que aluga quartos e espaços de trabalho, já que a lei proíbe o ato em local público.

22/07/08
Facilitando a “vida fácil”?

Hamburgo tinha tudo para ser um paraíso turístico: mais pontes que Veneza, lindos jardins como Amsterdã, prédios históricos e modernos que lembram Berlim, dezenas de museus tal qual Paris e até, como no poema da utópica Pasárgada de Manuel Bandeira, “prostitutas bonitas para a gente ‘namorar’”. Mas, talvez por não ser amigo do rei, tenho a impressão de que o lugar está mais para um paraíso de compras que turístico. Porque a vida na Großstadt parece repetir o bordão de suas inúmeras cortesãs, acompanhantes e dançarinas: “Show me the money, baby”. Tendência mundial incômoda, mas que encontra explicações históricas possíveis:
Cortada pelo Rio Elba, a economia da cidade-estado se formou do comércio e serviços, estruturados em função de sua atividade portuária, origem do título de “portão para o mundo”. No entanto, muito antes de se pensar em um Estado alemão unificado (o que só se daria após um longo processo, também baseado em interesses econômicos, iniciado por volta do século XVII e culminado em 1870) já passavam por esse “portão”, desde muito antes do ano de 832, milhares de visitantes - bem ou mal intencionados. Para proteger os habitantes do então pequeno vilarejo contra ataques de outros povos construiu-se nessa época um castelo (Burg) nas ruínas do povoado de Hamm, dando origem ao nome (Hamm Burg); que, segundo suposições, daria origem também ao nome da iguaria de carne moída prensada, adotada da cultura árabe, que mais tarde migrou para os EUA acompanhada de pão e foi chamada de hamburger steak (bife à moda de Hamburgo ou “hamburguense”). Sempre me perguntam, forçando o trocadilho maldoso, se comi muitos desses lá. Hoje um hambúrguer simples de uma grande rede de lanchonetes mundial norte-americana é vendido a €1 na Alemanha, eliminando quase toda a concorrência supostamente “tradicional” como o salsichão ao molho curry (Currywurst), sanduíches de peixes locais como a enguia, salmão e truta. Mas, apesar de serem mais caros, acho que todo bom turista deve variar o cardápio junkie de vez em quando e experimentar comidas típicas. Um lugar para fazê-lo é no principal cenário de diversão da cidade, que aos domingos se transforma numa feira ou mercado.
Da mesma forma que o Red Light District (Distrito da Luz Vermelha) em Amsterdã exibe suas garotas em vitrines, ao lado de consolos, vídeos, algemas e outros “brinquedinhos”, a Rua Reeperbahn, na região de Sankt Pauli, é famosa por sua vida noturna plena de contrastes, como a cidade hanseática em si.

Quatro e meia da manhã. Misturadas aos feirantes que começam a armar suas barracas (no bom sentido) ainda de madrugada estão as mulheres que geralmente cobram menos por não pagarem aluguel de quarto fixo, possuindo mais autonomia quanto a dias e horários de trabalho – mas correndo mais riscos e sofrendo com intempéries.

Na Herbertstraße – uma ruela fechada proibida para menores e mulheres – estão as “vitrines vivas” – mulheres diversas expostas em biquínis como manequins, sentadas em bancos ou de pé, lixando as unhas, olhando-se no espelho. Quem se aproxima pode tentar negociar através de uma janelinha nas sacadas. A maior parte das moças é estrangeira e sabe o necessário em mais de uma “língua” – principalmente na do comércio, em que sedução e publicidade se “relacionam”.

Um trecho surreal do percurso pela zona noturna “putuária” do bairro Sankt Pauli é a rua Große Freiheit (grande liberdade). É uma rua estreita perpendicular à Reeperbahn, onde estão os principais espetáculos adultos e versões de peças famosas adaptadas, boates com música ao vivo e dj’s, atrações locais famosas, festas temáticas – tudo isso ao lado de uma igreja, que dá nome ao lugar. A “liberdade” do nome se refere ao culto religioso naquela igreja, que à noite é ofuscada pelos cartazes de neon piscantes.
Nas Laufhäuser (prédios de corredores, em que cada porta é um “dormitório”) ficam garotas que cobram preços variados, dependendo do lugar, do serviço contratado e, muitas vezes, do perfil do cliente. Há prédios em que se encontram apenas tailandesas, outros em que trabalham somente latinas, etc. Alguns anúncios divulgam brasileiras em clubes de shows adultos. Não cheguei a conversar com nenhuma compatriota – a entrada já era paga –, mas entendi que por trás de cada uma ali estava um “agente” que aluga quartos e espaços de trabalho, já que a lei proíbe o ato em local público. A prostituição (de maiores de idade) é legalizada na Alemanha desde 1964, tendo sido, inclusive, através de uma lei de 2002, concedido direito à aposentadoria a algumas profissionais. Já os “agentes” e aliciadores – inclusive internacionais – sempre escapam por fachadas de proprietários de imóveis, donos de clubes de shows ou de agências de turismo. O governo alemão se vê dividido entre apoiar as profissionais do sexo com leis que garantam seus direitos (afinal elas também pagam impostos) e criar alternativas de subsistência mais interessantes que a prostituição. Ao que parece ainda não conseguiu nenhuma das duas opções com sucesso: O comércio sexual movimenta muito mais dinheiro que a grande parte das atrações turísticas da cidade: por dia, aproximadamente €15 Milhões (por volta de R$38 milhões), fruto do suor de 400.000 figuras que recebem e de mais de um milhão (!) de outras que pagam. O número de profissionais que se utiliza dos recursos legais disponíveis é ínfimo. A maior parte vive no anonimato e na ilegalidade. É difícil esboçar qualquer crítica se a situação no Brasil é delicada e até menos abordada que em outros lugares onde o comércio sexual, ao invés de ser ocultado, é divulgado como atração turística. Se na Europa nem tudo são flores, ainda assim se evita pisar na grama para não virar lama...

Assim, quando falece uma autoridade política brasileira séria, idônea e engajada a respeito da causa feminina e seus desdobramentos, parte de nossa comoção se deve ao fato de que não parece justo que outras autoridades continuem vivas – ao menos no universo da política – estando há muito intelectualmente mortas.

“E quando eu estiver mais triste / Mas triste de não ter jeito

Quando de noite me der / Vontade de me matar

— Lá sou amigo do rei — / Terei a mulher que eu quero

Na cama que escolherei / Vou-me embora pra Pasárgada.”

O itinerário fica cada vez mais sinuoso, Manuel.

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2007


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Rafael Silveira nasceu em Belo Horizonte em 1984 e vem vivenciando apaixonadamente o processo infinito de aprender a escrever desde os seis anos de idade. Não tem tempo para nada do que gosta, só para o que ama. Aí estão incluídos, além da literatura, música, pintura e cinema (como espectador). Cursa Letras na UFMG desde 2004. Editou seu "Pretérito Imperfeito", reunião de poemas, em 2005. Fale com ele: rafael1silver@gmail.com

   
 

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