
02/09/08
Novas propostas antigas
Eis que recomeçam as campanhas eleitorais, com apelos,
propagandas, anúncios, cartazes, pichações,
comícios, passeatas, carreatas, faixas, santinhos,
adesivos, calendários, pentes, réguas, camisas
estampadas, carros de som, e ainda outros novos artifícios;
porém poucas novas propostas, raras idéias
originais, nenhuma grande mudança. Os candidatos
abusam de termos como “solução”,
“certeza”, “melhor” e etc. A sonhada
reforma política parece improvável, afinal
ela passa pelas mãos (e pelos dedos) do povo. A disputa
para prefeito, talvez pelo fato de contar com menos candidatos,
é mais bem organizada e esclarecida. Mas como saber
o que pretende como vereador o Fulano do Sacolão,
que mal consegue ler o lema do partido no teleprompter com
entonação adequada? Elegê-lo sem estudar
sua vida e planos só pode resultar em abacaxis e
pepinos. De quê adianta constatar que a esposa de
um candidato confia nele e o acha incrível, sendo
que, mais tarde, tanto ela quanto nós poderemos ser
“traídos” pelas aparências? (Será
que o Bill perdoaria a Hillary se as suspeitas de traição
se referissem a ela?) Cada vez mais a propaganda política
se aproxima de (e, em alguns casos, supera,) outras formas
de publicidade com suas estratégias de sedução,
empatia e espetacularização. Com a melhora
do poder aquisitivo das classes menos favorecidas instala-se
um perigoso comodismo que nos impede de lembrar do “Nada
mudou. Vamos mudar” de algumas décadas atrás.
Ao ser forçado
a acompanhar o horário eleitoral – uma vez
que ainda somos obrigados a votar – tenho à
mesma indisposição que tive ao acompanhar
as recentes Olimpíadas: raramente consigo me identificar
ou me sentir realmente representado. Embora tenhamos basicamente
os mesmos problemas, grande parte dos eleitores são
analfabetos políticos, com muito orgulho. Porque
desde a conotação que o termo possui até
sua aplicação prática, há raros
exemplos de consciência, autonomia e sustentabilidade
nas ações dos próprios cidadãos.
O país dispõe de um sentimento de arraigamento
tão forte quanto o desenvolvido pelos estadunidenses,
por exemplo, quando se trata de esportes. Mas o sentimento
de compromisso político se aproxima do nulo se comparado
como os franceses, que acompanhei na disputa entre Royal
e Sarkozy como entre dois participantes de uma eliminação.
Há basicamente
duas vertentes de propaganda política: terrorismo
e utopia. A primeira vertente quer convencer o eleitor de
que tudo está errado e precisa ser mudado. A segunda
afirma que muito tem sido feito e mais ainda será.
Não importa quem ganhar, essas previsões,
quando se concretizam, pouco tem a ver com o predomínio
de um partido ou outro. Ademais, os partidos políticos
no Brasil vem passando por uma crise existencial que empurrou
grande parte dos extremos de direita e esquerda para o centro.
Uma minoria do eleitorado saberia dizer qual é a
plataforma de seu partido.
A política só
deixa de ser um assunto chato, problemático e vergonhoso
quando se torna parte dos deveres de todos os cidadãos,
desde a escola, não apenas eleger um representante,
mas também fiscalizá-lo, denunciando ou elogiando
sua conduta. Em duas palavras: mobilização
e transparência. Quando houver interesse, a mídia
não cobrirá apenas escândalos, sintomas
da displicência e má fiscalização,
mas também o dia a dia de assuntos que afetam diretamente
a vida do cidadão, como impostos, obras, salários
e etc. As eleições são apenas o primeiro
momento de um ciclo que tem que ser acompanhado de perto
pelo chefe maior do poder público – o próprio
público.
Será que
tantos “amigões” se candidatariam caso
o teto salarial dos cargos políticos fosse o mesmo
valor aprovado para um professor da rede pública
de ensino? Qual dos dois saberia explicar para os futuros
eleitores o que é democracia, inflação,
Liberalismo, Keynesianismo? Talvez nenhum.
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Rafael Silveira
nasceu em Belo Horizonte em 1984 e vem vivenciando apaixonadamente
o processo infinito de aprender a escrever desde os seis
anos de idade. Não tem tempo para nada do que gosta,
só para o que ama. Aí estão incluídos,
além da literatura, música, pintura e cinema
(como espectador). Cursa Letras na UFMG desde 2004. Editou
seu "Pretérito Imperfeito", reunião
de poemas, em 2005. Fale com ele: rafael1silver@gmail.com
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