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16/01/08
Monstros, quem não
os têm?
Bastou eu piscar e lá
estava ele me mostrando sua grandiosidade e ainda que eu
não o quisesse notar não havia mais jeito.
Minha imagem refletida no espelho não negava que
este tempo todo ele esteve comigo e o que eu fiz foi sempre
desviar o olhar. Então percebi que havia chegado
o momento de enfrentá-lo. Coloquei o monstro contra
a parede e comecei a esfaqueá-lo. Senti as gotas
de sangue pingarem em meus pés. Foi então
que para minha surpresa percebi que minhas mãos socavam
o vazio. Não havia monstros, eles estavam todos em
mim. O tempo todo, continuamente, de noite ou de dia meus
monstros me acompanhavam e onde eu estivesse eles estavam
comigo. E o sangue que eu sentia escorrer pelo corpo era
o meu.
Eu quis com todas as forças
negar os medos e pavores. Fugi das situações.
Hesitei diante das tentações. Escondi o orgulho,
mas ainda que eu quisesse não dava mais para mentir.
Por vezes achamos que mudar o rumo modifica o que pensamos
ou pelo menos transforma as situações, quando
na verdade sempre chega o dia em que é preciso encarar
a si mesmo, olhar bem no fundo dos olhos e admitir aquelas
verdades que o coração já sabe faz
tempo, mas que insistimos em não descobrir.
O momento de se ver tal como
o tempo nos tratou nem sempre é fácil. Encarar
a imagem no espelho, se ver como realmente se é,
sem as máscaras usuais. As rugas revelam as dores,
as fases preciosas que ficaram para trás e apontam
para um fim que nem sempre está próximo. Mas
talvez o pior e mais complexo seja o que ficou por dentro,
o que ainda está. Remoer as mágoas, rever
conceitos, liberar perdão, aceitar as pessoas como
elas são e não gostaríamos que fossem,
entender, compreender, criticar menos. Questões difíceis,
chatas. É mais fácil burlá-las a ter
que encarar o quão podre nós somos ou passamos
a ser. Não adianta. Os monstros não cabem
debaixo da cama. Eles estão dentro de nós,
na nossa alma, no coração, que de tanto mantê-los
fica pesado demais, cansado demais, frágil demais
para qualquer coisa. Não costuma valer a pena.
O dia que percebermos que apenas
nós podemos mudar o final da história veremos
o quão leve a vida poderia ter sido. O sangue que
um dia escorreu pelo corpo e sujou suas mãos é
o mesmo que o faz viver, afinal a vida é senão
o que fazemos com ela.
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Patrícia Caldas
é uma carioca que ama Belo Horizonte, mas não
abre mão das lindas praias da cidade maravilhosa.
Sua alegria está em escrever e gritar para os quatro
cantos do mundo suas verdades. Além de ter esperanças
de um mundo melhor, ser irônica e perspicaz, é
jornalista. Escreve todas as quartas-feiras na coluna Diz
Tudo. E-mail: p.jornalista@gmail.com
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