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Quarta-feira -04/04/07

O rei e o ladrão

Eu estava lá quando tudo aconteceu. No início eu não compreendi o que estavam fazendo. Por que ele? Eu me perguntava. Ouvi quando martelaram o prego na mão esquerda. O osso quebrou em vários pedacinhos e o grito que ele deu foi de dor, muita dor. Nesse momento parece que as forças que temos em nós se esvaem. Eu senti isso também. Eu estava lá. Depois foi a vez da mão direita ser martelada. E sem piedade, paaaaaaa! Ele gritou forte. As lágrimas corriam dos seus olhos. E o ouvi dizer: “pai, por que me abandonaste?” Não entendi.

Se ele estava ali era porque merecia. Ou não? Juntaram seus pés e lhes martelaram também. Rasgaram suas vestes. O expuseram a todo tipo de vergonha. Cuspiram em seu rosto. E ainda por cima o chamaram de “rei dos judeus”. E como todo rei tem uma coroa, cravaram-lhe na cabeça uma de espinhos. Em seu rosto havia suor e sangue. E ele estava ali. Eu também estava. Mas eu roubei, fiz mal para as pessoas. Eu tinha que estar ali, mas e ele, deveria também?

Eu me lembro. Agora estou me lembrando bem. Eu estava lá quando ele fez um cego enxergar. Achei fantástico. O pobre homem curado ficou tão feliz. Soube também que fez aquele não andava poder saltar de novo. Até ressuscitou um homem que estava morto há quatro dias! Fez maravilhas por onde passou. Nunca estava só. Sempre o vi rodeado de multidões. Disseram-me que até peixe ele fez surgir na rede dos pescadores lá da aldeia.

Parecia um homem bom. Eu até pensei em me aproximar dele, pedi que ele curasse uma ferida que trago dentro de mim e que médico nenhum nunca conseguiria curar. Feridas na alma não aparecem nos exames e quem era eu para ter como ir a um médico! Pensei em pedir isso para ele, mas não tive coragem. Eram muitas pessoas. Senti-me muito cruel diante delas, porque sempre fui um ladrão. Não tive coragem e agora estou eu aqui, morrendo nessa cruz, com ele ao meu lado.

E enquanto eu lembrava disso tudo e me questionava, ele me olhou. Nunca me esquecerei daquele olhar. E em meio a tanta dor o ouvi dizer: “eu te escolhi filho meu, ainda hoje no paraíso comigo estarás”. Meus olhos encheram-se de lágrimas. Nunca ninguém me falou assim. Nunca ninguém me olhou daquele jeito. E com as poucas forças que ainda me restava, eu disse: “quando entrares no teu reino lembra de mim”. Eu não sei de onde eu tirei isso, mas meu coração se encheu de amor. Naquele momento eu me arrependi de todos os erros que cometi. Eu merecia estar ali. Mas aquele homem não.

Eu já nem mais sentia tanta dor, estava morrendo, quando vi os soldados transpassarem-lhe uma espada. Pra que tanta maldade com ele? Ele não fez nada! Eu quis gritar... Vi com estes olhos o sangue saindo. Eu vi. E vi também quando o sangue acabou e depois começou a sair água de dentro dele para o pavor e espanto dos soldados. E os céus se fecharam e um barulho, como som de um trovão se fez ouvir em toda Jerusalém. Ele morreu no madeiro por amor.

Fechei meus olhos. Como podia um inocente passar por tudo aquilo sem ter feito nada de errado! “Tive ao meu lado um rei morrendo por falar de amor”. Eu senti o teu perdão na luz daquele olhar. Podia morrer em paz. Quando abri meus olhos tive certeza de que ele era o filho de Deus. E quando olhei ao meu redor não havia mais dor e ele continuava ao meu lado e nós estávamos no paraíso.

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Patrícia Caldas é uma carioca que ama Belo Horizonte, mas não abre mão das lindas praias da cidade maravilhosa. Sua alegria está em escrever e gritar para os quatro cantos do mundo suas verdades. Além de ter esperanças de um mundo melhor, ser irônica e perspicaz, é jornalista. Escreve todas as quartas-feiras na coluna Diz Tudo. E-mail: p.jornalista@gmail.com

 

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