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Quarta-feira - 11/04/07

Envelhecer

Fechei os olhos. Mal pude perceber o tempo que havia se passado. Ao meu redor, apenas rugas murchas e flácidas, retratos de abandono, dor e saudade. Minhas lentes, um pouco grossas, ainda me proporcionavam alguns instantes de leitura. Os livros sempre foram uma companhia preciosa e talvez a mais presente em minha vida. Através deles conheci museus do mundo todo, vi casais se amarem loucamente, vi como o amor e a amizade são importantes, ainda que seja entre um homem e seu cão. Vi coisas preciosas.

Mas naquela manhã eu não estava com muita vontade de viajar pelas páginas amareladas do livro que tentava terminar fazia dias. Queria continuar ali, deitada. Sentia-me sem forças, sem ânimo o suficiente para realizar qualquer coisa além de fechar ainda mais meus olhos. Queria dormir e sonhar com tudo o que eu não vivi. Tentar imaginar com teria sido se eu não tivesse feito isso ou aquilo, não tivesse tomado esta ou outra decisão qualquer.

Queria imaginar coisas novas, afinal nos meus oitenta e lá vai, compartilhar essas coisas era meio démodé. Ninguém entenderia. Queria dormir e viajar nos meus pensamentos. Pelo menos por hoje. Mas não me deixavam. O barulho estava insuportável. Chegava a me incomodar. Algumas mocinhas circulavam pra lá e pra cá, me enfiavam remédios sem parar e eu já tava de saco cheio disso tudo.

Quando me trouxeram, eu tentei entender. Já estou sem forças, preciso de ajuda, mas não sou incapaz, eu disse isso. Mas eu sei que estava dando trabalho. Sozinha eu já não podia mais ficar e na casa deles, bem, eles não tinham tempo para me olhar. Aí eles conversaram comigo e me disseram que era um bom lugar, que eu seria bem tratada e que nunca, jamais e em tempo algum estaria sozinha. Teria a companhia dos meus e daqueles que dividem este lar. Na verdade eu preferia ficar lá na minha casa mesmo, com minhas coisinhas, mas aceitei. Achei que realmente não fosse ser tão ruim.

Já faz tempo que essa conversa aconteceu. Muito tempo... E esse barulho me incomoda. Eu quero dormir. Eu prefiro dormir. Não agüento mais esse barulho de silêncios. Todos me tratam como se eu fosse uma velha inútil, que não agüenta mais nada! Mas eu agüento. AGUENTO SIM. Ninguém ta me ouvindo? Eu posso conversar, tenho lábios, tenho língua... Eu posso abraçar, tenho forças. Posso caminhar no jardim, posso ir até a casa deles, dormir com eles pelo menos uma noite... Eu queria ver meus netos crescerem. Poder ler e contar umas histórias. Queria tantas coisas!

Sabe, a vida passa tão rápido... Damos importância demais àquilo que nem sempre merece tanto empenho. Sofremos por ansiedade. Queremos fazer tudo hoje, rápido e de preferência do nosso jeito, como se o mundo fosse acabar. Pensar que talvez amanhã não estejamos mais vivos, dói. Mas dói mais saber que isso não é tão importante para as pessoas mais importantes de nossas vidas. Para àqueles a quem dedicamos todo nosso suor. Para àqueles que, se preciso, até mataríamos. Por àqueles que somos capazes de dar nossa própria vida. Viver é bom, envelhecer é difícil.

Vai ver que eles esqueceram disso. Deixaram-me aqui. E eu? Quero dormir o sono eterno, porque eu não agüento mais esse silêncio que nunca acaba e essa rotina de solidão que me faz morrer um pouco a cada dia... Estou indo e eles não perceberam. Fiz tanto por eles e agora nem um telefonema eu recebo. Também já fui jovem. Também já me senti auto-suficiente, achando que nunca fosse precisar de ninguém. Mas a juventude passa e quanto mais velhos ficamos, mais sozinhos nos sentimos. Como um abraço faz falta! Eles não vêm me ver. Tomara que eles tenham um destino diferente do meu e não definhem de solidão como eu neste asilo.


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Patrícia Caldas é uma carioca que ama Belo Horizonte, mas não abre mão das lindas praias da cidade maravilhosa. Sua alegria está em escrever e gritar para os quatro cantos do mundo suas verdades. Além de ter esperanças de um mundo melhor, ser irônica e perspicaz, é jornalista. Escreve todas as quartas-feiras na coluna Diz Tudo. E-mail: p.jornalista@gmail.com

 

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