
30/11/07
Otto, o combatente nordestino
Se Jorge Mautner é realmente o homem mais livre do mundo, como ele mesmo se auto-intitula, este artista pernambucano poderia candidatar-se ao cargo de homem mais sereno, simples, sincero, simpático, entre outros tantos “s”.
Após energético e divertido show no Mangue Beat in Concert , nos camarins da Concha Acústica (Salvador), tal músico, transbordando calmaria, concede entrevista para a revista eletrônica O Binóculo e fala sobre Lula, Recife, Chico Science, música e, como não poderia deixar de ser, sua esposa - a artista “global” Alessandra Negrini. Com vocês, trajando calça jeans e terno, num calor de rachar, o bom de cuca e pacato combatente nordestino Otto Maximiliano Pereira de Cordeiro Ferreira.
Política...
Eu acho que a gente teve a sorte de ter um presidente como o [Luis Inácio] Lula, hoje, nesta parada, porque não deve ser mole não. Demos direito a um homem honesto, isso é bacana. O resto a gente vai diminuindo aos poucos, mas o principal é que está um cacique ali dentro. Um cacique popular, cacique nordestino. Se for uma crítica, é uma crítica positiva pro que a gente pode estar vivendo hoje. Antes, seria mais distante.
Neste contexto, um cara ímpar como Chico Science faz falta?
Um cara como Chico Science... eu acho que nem vai fazer falta, porque a gente não deve chorar o leite derramado. Aconteceu do cara ter ido e deixado uma obra. Acho que, por mais triste que seja e é da natureza do homem morrer, eu vejo a morte do Chico, hoje, como... Hoje a gente tem um ícone, as coisas dele vão ser mais registradas que muita coisa. A passagem dele aqui foi de muita liga. Bonita, linda, única. E a gente já sofreu, e agora não sofre mais. Hoje [Chico Science] já é um espírito livre, que registrou grandes discos. E estamos ai, Nação Zumbi, Mundo Livre, Cordel, Mombojó, tudo uma galera só.
Qual a importância de tocar num evento registrando os dez anos da, se não falta, presença de Chico?
O mais importante de tudo é essa coisa da ligação do Mangue Beat , da Mundo Livre, da Nação Zumbi, do Chico Science, com a capital nordestina [que Otto considera ser a cidade pernambucana de Recife]. Isso é muito bacana. Isso é a coisa mais bacana que há no mundo. É a gente chegar aqui com a música nordestina e ser abraçado pela Bahia. Mundo Livre, Eu, Nação, Cordel, Mombojó, temos um público aqui fiel e muito grande. E o nordeste o que conta é isso: Bahia e Pernambuco juntos.
E o valor de Recife na sua música, que é extremamente universal?
A maior felicidade pra mim é ter uma visão de mundo bacana, de nordestino combatente como a gente é, e saber que em Salvador ou Belém nós temos público. A importância da nossa cultura e religião é muito forte e eu não troco por nada nesta vida. Apenas transformo-as para outros lugares. Amanhã, estou indo pra Nova Iorque e foi bom ter vindo aqui pegar desse axé pra levar pra lá.
Em uma entrevista, você afirmava que a Alessandra Negrini [esposa de Otto] te apaziguou e o ensinou ler Nietzsche. Como é essa história?
Por ela ser paulista, integrada, a gente trocou muita coisa. Eu trouxe meu caos, ela me deu seus prumos. Trocas de caos e prumos. Também os caos dela e os meus prumos. Somos antagônicos e harmonizados, graças a deus.
Finalizando, pra quê você usaria um Binóculo?
Pra contemplar [única palavra decifrável do cantor nesta hora, anterior a enunciação da palavra voyeur , seguida de muitas gargalhadas] ...
Fotos: Emília Núñez
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Nilmar Barcelos é
uma mentira contada, uma piada de mal gosto, um erro de
roteiro, uma torta reta, uma rota morta, uma grande farsa.
Em partes jornalista, embora o todo gonzo. As vezes feliz,
freudiano sempre. Puramente obsceno. Nietzschiano, mas nem
sempre humano. Escreve todas as sextas no Retalhos Culturais.
E-mail: nilmarbarcelos@gmail.com
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