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" A imprensa, de maneira geral, não tem muito interesse pelo teatro. A paulista abre mais espaço, mas São Paulo produz muito, muito mais do que os jornais selecionam". Juares Dias.
 

Sexta-feira - 03/08/07
O homem dos mil braços

“A nossa crítica chega a ser estúpida porque ela não cumpre função nenhuma, a não ser de sustentar uma visão parcial e totalmente subjetiva”. É com essa contundente frase e propriedade de causa - quatro premiações e onze peças teatrais no currículo, entre direções, adaptações, dramaturgias, assistência de produção, pesquisa cênica, concepção, cenografia, produção e trilha sonora -, que o experiente (embora jovem) diretor e dramaturgo Juarez Dias, 29 anos, esbraveja sobre a difícil tarefa do fazer teatral no Brasil.

O início nesse encantador universo foi aos onze anos de idade, na cidade de Conselheiro Lafaiete (MG), onde atuava em peças escolares e já esboçava idéias de romances. Aos 17, dirigiu sua primeira peça “Quem casa quer casa” e nunca mais deixou o mundo das artes. Hoje, o publicitário e mestre em literaturas portuguesas busca vôos mais altos e independentes - dividindo seu tempo com a vida acadêmica em Belo Horizonte, a dramaturgia e a direção teatral Brasil a fora. Uma persistência fatalista, definida em suas próprias palavras: “é o teatro quem nos escolhe”.

Qual a principal função histórica e social do teatro em um país como o Brasil? Como você compreende essas evoluções?

De uns anos pra cá, percebo no Brasil um movimento em direção a um teatro social, preocupado com as questões da população, buscando conscientização. Historicamente, o teatro no Brasil começa com os jesuítas tentando catequizar os índios (péssimo isso, diga-se de passagem). O teatro ganha força com a vinda de D. João VI. Ele trazia artistas e companhias portuguesas pra se apresentarem no Rio de Janeiro. Isso, pra mim, teve duas conseqüências: um teatro feito pra elite e uma linguagem européia de se fazer. Durante anos, nossos artistas copiavam esse teatro europeu. Nossa radicalização maior acontece com Nelson Rodrigues, no início do século XX, apresentando um teatro moderno, com a cara do Brasil. “Vestido de Noiva” foi um marco de libertação de estilo. O Brasil também é um país historicamente recente, cujo berço cultural está começando a ser feito. Vamos levar muitos anos pra chegarmos a ver o teatro como uma tradição.

O que você destacaria como teatro autoral feito no país, hoje em dia?

São as companhias que trabalham com a experimentação de linguagem, a investigação, com o processo colaborativo. São pessoas preocupadas em não reproduzir rótulos ou fórmulas prontas. Minas Gerais tem tradição de teatro feito em grupo, mas isso se espalhado pelo Brasil. No geral, podemos citar a Armazém Cia. De Teatro (PR/RJ), a Companhia dos Atores (RJ), Os Fudidos e Privilegiados (RJ), Grupo Tapa (SP), Grupo XIX de Teatro (SP), Companhia Brasileira de Teatro (PR) e muitos outros. Em Minas Gerais, temos a ZAP 18, a Odeon, Grupo Deu Palla, Grupo Trama, Grupo Espanca!, Grupo Galpão, Companhia Luna Lunera, Grupo Real Fantasia, Grupo + de 30, Comboio Em Cena, Grupo Encena, Companhia da Farsa, Maldita Companhia, Cia. Acômica, Cia. Candongas, Grupo Farroupinha, Grupo Ponto de Partida. Como temos tradição disso, são muitos. Não dá pra citar todos.

Fora os palcos e espaços alternativos de encenação, você compreende que o teatro tem finalidade, por exemplo, na formação de um apresentador de televisão?

O teatro é tão generoso, que suas técnicas, linguagem, exercícios podem se prestar a várias finalidades que não a montagem de uma peça. Teatro pode ser terapêutico, desinibidor, pode promover o desenvolvimento de potenciais criativos, a socialização, o auto-conhecimento. Até mesmo de um apresentador de TV, por que não?

Qual o dramaturgo clássico mais complexo para se montar uma peça?

Shakespeare talvez seja o clássico mais complexo, porque sua linguagem é sofisticada, são muitos personagens, as tramas muito desenvolvidas. É um debruçar-se sobre essa obra, buscando sua atemporalidade e sua inserção no teatro feito para o público de hoje. Ainda não me aventurei, mas quem sabe?

Em relação às campanhas de popularização do teatro, realizadas em BH, você acredita que o resultado é positivo?

A Campanha, da maneira como ela é conduzida, é um desserviço ao público porque impõe uma porcentagem altíssima de peças praticamente iguais no enredo, na estrutura, nos clichês. E o público pode entender que o teatro é só isso. Os demais, que trabalham outras vertentes, ficam apagados, com pouco ou nenhum público. Antes, eu achava que a Campanha deveria mudar o tom. Hoje, não. Penso que devem ser criadas outras iniciativas, com perfis diferenciados. Cada um na sua e que o público possa sair ganhando com diversidade e não com impositividade. O Verão Arte Contemporânea, que começou esse ano, produzido pela Officina Multimédia, em parceria com a Fundação Municipal de Cultura, já foi mais que uma luz no fim do túnel. Foi uma opção diferenciada em relação à Campanha.

Como você classificaria a grande impressa, no que diz respeito à omissão e superficialidade com o tratamento em relação às boas peças de teatro montadas em BH e no Brasil?

A imprensa, de maneira geral, não tem muito interesse pelo teatro. A paulista abre mais espaço, mas São Paulo produz muito, muito mais do que os jornais selecionam. A carioca costuma dar visibilidade aos seus globais, com alguma exceção. A imprensa mineira, colonizada, corre atrás do que vem de fora e dá cobertura a eventos como o Fit, a Campanha de Popularização etc. Particularmente, não posso reclamar pois sempre tive boa cobertura da imprensa mineira pros meus trabalhos. Mas a gente percebe que fica muita gente de fora. Esse quadro tem mudado um pouco, com o passar dos anos. Só que é preciso mais vontade editorial e mais jornalistas interessados. Pra gente ser reconhecido aqui, a regra vigente é ir pra fora de Minas, fazer sucesso e voltar. Fazer o quê, né? A nossa crítica chega a ser estúpida porque ela não cumpre função nenhuma, a não ser de sustentar uma visão parcial e totalmente subjetiva do crítico. Isso não me interessa como artista e acredito que não deva interessar ao leitor-espectador também.

Sendo professor universitário na área de Comunicação Social, como você tem dialogado com seus alunos no que diz respeito a essa omissão e superficialidade da imprensa mineira em relação ao teatro brasileiro?

O diálogo acontece na intenção de ampliar a visão do aluno sobre os cadernos de cultura e discutir. Fazer com que eles percebam por si mesmos o tipo de tratamento dado ao teatro. Agora, numa turma de 40 alunos, se um ou dois se manifestam já é alguma coisa. O jornalismo é muito abrangente e a minha disciplina é específica sobre teatro. Espero que eles compreendam essa realidade e que, caso venham a ocupar um caderno de cultura, por vontade ou não, possam lutar com sua marca pessoal por uma mudança. O processo é lento, mas não dá pra desistir. Se não, fica do jeito que está.

Quais as principais dificuldades encontradas na montagem de uma peça aqui no Brasil?

Há dois tipos de dificuldades pra se fazer arte. A primeira é quanto à viabilização que hoje está vinculada às leis de incentivo. Mas, muitas vezes, não se conseguindo esses meios é preciso buscar outros, como permutas, apoios etc, para tentar viabilizar [essa montagem]. Como regra, infelizmente, não se ganha dinheiro fazendo teatro em Belo Horizonte - pra não arriscar falar de outras praças sem propriedade. Há exceções, poucas. Quando escolhemos o teatro, e na verdade eu penso que é o teatro quem nos escolhe, não é pelo dinheiro em primeiro lugar. Se for, o sujeito tá perdido.

A outra dificuldade é da natureza do trabalho, que é criativa. É sempre muito difícil montar um espetáculo, pois são muitos elementos, profissionais envolvidos. Há crises criativas. É difícil saber se o que está sendo feito é bom ou não e por quê. Criar não é tarefa fácil, como tem sido disseminado por aí, que o artista é um “iluminado”, que ele detém o conhecimento e tal. Somos trabalhadores como todos os outros e sofremos de dificuldades também.

Já teve experiência com os recursos da controversa Lei de incentivo a cultura? As empresas brasileiras tem investido nessa área?

Em 14 anos de teatro, só montei um único espetáculo que teve apoio da Lei Municipal de Incentivo à Cultura de Belo Horizonte, por meio do Fundo de Projetos Culturais. Os demais foram na raça mesmo. Inclusive o “Atrás dos olhos das meninas sérias” [peça atual do diretor, criticada neste mesmo espaço e que pode ser conferida no final deste texto, através do link “Catarse coletiva: o delírio no verbo falar”], produzido pela Cia. Pierrot Lunar, em que eu trabalhei como diretor convidado. A peça estreiou e continua sem patrocínio. E eles têm novamente a possibilidade de captar. Estamos no aguardo. Eu particularmente, deixei de acreditar nesse mecanismo, porque ele é excludente. Tem o processo de primeiro aprovar junto aos órgãos públicos pra depois ir atrás de empresas. Mas é um sistema totalmente corrompido. Há pessoas ganhando dinheiro com as leis, há outras que são exploradas pra conseguir realizar seu projeto... É o que a gente ouve dizer. Continuo entrando com projetos nas Leis, mas não dependo delas pra montar meus trabalhos. Claro que sem elas o caminho é mais difícil, mas é sempre difícil mesmo! Atualmente, fui convidado a escrever a dramaturgia de uma peça sobre a pintora mexicana Frida Kahlo. A produção tem a Lei Municipal, vou receber cachê. Mas não é empreendimento meu.

Como você considera o retorno do público?

Quanto ao retorno do público, quando ele existe é maravilhoso. Não estou falando apenas de um retorno positivo, mas de qualquer outro. A pior coisa que pode acontecer a uma equipe de teatro é ter a platéia vazia. É deprimente. Agora, a grande maioria das pessoas não vai ou não conhece teatro, né? Então ficamos com uma parcela pequena que tem acesso e que, de vez em quando, se interessa por teatro.

Saiba mais sobre a peça “Atrás dos olhos das meninas sérias” e suas próximas apresentações no site http://ciapierrotlunar.blogspot.com ou no link abaixo “Catarse coletiva: o delírio no verbo falar”.



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Nilmar Barcelos é uma mentira contada, uma piada de mal gosto, um erro de roteiro, uma torta reta, uma rota morta, uma grande farsa. Em partes jornalista, embora o todo gonzo. As vezes feliz, freudiano sempre. Puramente obsceno. Nietzschiano, mas nem sempre humano. Escreve todas as sextas no Retalhos Culturais.
E-mail: nilmarbarcelos@gmail.com

   
 

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