
29/12/07
A cabo: 25 anos privatizando o rock
Shows de rock produzidos
por grandes conglomerados de comunicação,
como o Sky Live Titãs e Paralamas, só me fazem
pensar que, em tal relação naturalmente
contraditória, o que existe de fato é uma
busca de reavivar aquilo que jaz sôfrego e moribundo
na cama - o próprio rock
De The Doors a Ratos de Porão,
passando por Pantera, Los Hermanos, Rush, Legião
Urbana e, é claro, Os Paralamas do Sucesso e Titãs.
São várias e distintas as bandas estampadas
no peito das pessoas que descem na ladeira da Fonte, acesso
a duas das três entradas da famosa casa de shows Concha
Acústica, em Salvador. Da rebeldia encontrada nos
anos de 1980, parece que só o estilo sobreviveu.
Jovens, na faixa dos 17 anos, com calça jeans colada
na bunda, cintos de rebite, camisetas pretas e comportadas
tentativas de corte de cabelo moicano, misturam-se a patricinhas
e neo-hippies, em suma, a todo tipo de gente comum vista
seja na esquina de casa, na novela Malhação
ou no show de lançamento do último cd da Wanessa
Camargo. Esgotado, informava o enorme cartaz
do evento 25 Anos Rock. Cambistas, à torto e direita,
buscavam superfaturar com os seus cobiçados ingressos.
75, 75! E se tiver ingresso sobrando eu compro,
gritava um. Nenhum tipo de policiamento. Embora em menor
número, se podia ver algumas pessoas supostamente
da velha geração, pertencentes ao tempo homogêneo
e vazio no qual dois grãos germinavam aquilo que
confundiria-se, ¼ de século mais tarde, com
o significado de rock brasileiro. No Bar do Careca, fronte
a Concha, ainda ressoava a boa música de Otto - resquícios
da excelente noite anterior. Era tudo que eu conseguia observar,
enquanto esperava nossa fotógrafa - a bela, eficiente
e um pouco atrasada Emília Núñez (heterônimo?).
Já no início
de tal jornada - com o atraso de meia hora da minha parceira,
devido a ausência de lugar para estacionar o carro
-, algo (deus?) parecia alertar-nos que o pior estaria por
vir. Após o segurança conferir nossos nomes
na lista de imprensa e liberar nossa entrada, na segunda
portaria somos barrados. As credenciais vocês
olham com aquela mulher de preto, a organizadora,
orienta outro segurança. Sendo assim, nos dirigimo
a tal, a fim de pegar as mesmas e iniciar-mos nosso trabalho.
Revista eletrônica de BH? Desculpe, mas vocês
não estão cadastrados em nenhuma lista,
desdenha a morena, de óculos de grau, dentes salientes
e com um rádio-comunicador em punho, sem ao menos
buscar conferir tal informação. Ao explicar
que havíamos sido cadastrados por Bebel Prates (assessora
do evento, que, juntamente com Luis Pereira, havia sido
extremamente atenciosa e gentil conosco na semana anterior),
a moça de preto faz ressalvas. Mas
eles não darão entrevista pra ninguém.
Este é um evento exclusivo da Sky! Nem acesso ao
fosso vocês terão para tirar fotos, apontando,
em seguida, para que entrássemos no show pela portaria
do público pagante.

Às vezes, qualquer
um faz qualquer coisa por sexo, drogas e diversão,
canta Hebert Vianna - com sua guitarra em punhos, trajando
camisa social branca, gravata, óculos escuros e um
boné, supostamente amarelo, virado para trás
-, acompanhado de João Barone e Charles Gavin (baterias/
Paralamas e Titãs respectivamente), Bi Ribeiro (baixo/
Paralamas), Tony Beloto (guitarra/ Titãs), Branco
Mello e Paulo Miklos (vocais/ Titãs), relembrando
o bom e velho Titãs dos idos da segunda metade de
1980 e o excelente disco Jesus não tem dentes no
país dos banguelas (1987). Na seqüência,
as contundentes O calibre (do cd Longo caminho, gravado
no ano posterior ao acidente de ultraleve, em 2001, que
deixaria o líder dos Paralamas, Hebert Vianna, paralítico
e daria cabo à vida de sua esposa Lucy Vianna) e
Selvagem? (Paralamas/ 1986), já com a energética
entrada de Sérgio Brito (teclado e voz/ Titãs)
nos palcos, dando norte para o que viria em seguida: o punk
rock Polícia (do lendário disco Cabeça
Dinossauro, Titãs/ 1986). As tentativas de anotações
e fotos eram feitas em meio a milhares de pessoas ali presentes
para dançar e curtir a festa, o que resultou na danificação
de nossa câmera fotográfica, uma Nikon D-50,
na metade do decorrer do evento. Levado pelo espírito
gonzo da coisa, passei a ver o lado bom de tal fato (uma
reportagem sob a ótica do inusitado, diferente) ao
invés de denunciar que, naquele momento, estávamos
era sendo privados da informação por não
sermos peixe grande da mídia.
No Rio de Janeiro, em finais
de 1970, o jovem guitarrista Hebert Vianna e seu amigo de
infância Bi Ribeiro, reencontravam-se e esboçavam
aquilo que tornaria-se a gloriosa banda Os Paralamas do
Sucesso, na época com o baterista Vital (substituído
posteriormente, em 1982, por João Barone) e já
sincretizando elementos de metais, teclados e percussão
naquilo que seria a peculiaridade de suas músicas.
Daí em diante, todos conhecem a história:
Vital e sua moto vira nome de música famosa, muito
tocada pela Rádio Fluminense em 1983, num ponto de
convergência que arrombaria diversas e importantes
portas, como abertura para o então já famoso
Lulu Santos, contrato com a gravadora EMI, shows nos cobiçados
Rock in Rio (Brasil) e Festival de Montreux (Suíça),
versão portuguesa para a música Trac-Trac,
do argentino Fito Paez, parcerias com Carlinhos Brown, Nando
Reis (ex-Titãs), Paulo Miklos (Titãs), Dado
Villa-Lobos (ex-Legião Urbana), Andreas Kisser (Sepultura),
Roberto Frejat (Barão Vermelho), entre outros, grande
popularidade na Argentina, Uruguai, Venezuela, Chile, além
da estrondosa marca de cerca de 18 cds lançados no
Brasil, sete na América do Sul/ Europa e importantes
premiações (Grammy Latino, Prêmio Multishow
e Vídeo Music Brasil). Em São Paulo, em torno
da mesma época, surgiria o aclamado grupo Titãs,
fazendo brotar, juntamente com os primeiros e tantos outros,
uma música que, em grande medida, ganhou forma e
brilho devido a condição na qual encontrava-se
o povo brasileiro e suas diversas contradições
social, cultural e econômica.

Dezenas de anos depois e de
forma quase milimetricamente arquitetada, salvo o fato da
construção de laços artísticos
e amistosos preservados desde finais da década de
1970, a Concha Acústica torna-se o pano de fundo
para a realização de um reencontro histórico
entre as bandas, num fim de semana que, embora ímpar,
reflete em muito a gama de bons eventos e efervescência
cultural ocorridos em Salvador (os dias, semanas e meses
anteriores haviam sido contemplados com shows de Otto, Mundo
Livre S/A, Lobão, Zeca Baleiro, Mv Bill, Nação
Zumbi, Gal Costa, entre outros). Titãs e Paralamas
do Sucesso tocando cerca de 15 músicas juntos, com
a participação especial dos músicos
Carlinhos Brown - que roubou a festa para si, contagiando
o público nas músicas Lourinha bombril, Uma
brasileira e Alagados, todas do Paralamas, além de
cantar em meio ao público e proporcionar um lindo
espetáculo percussivo com Barone - e Marcelo Camelo
(Los Hermanos) - numa participação mais performática
com sua guitarra semi-acústica no clássico
Cabeça dinossauro, dos Titãs, e nos vocais
da linda canção Go back, de Fito Paez. Mas,
o que se viu foi apenas resquícios daquela boa e
velha música brotada e formada, em grande medida,
na fusão da arte de jovens descontentes com o contexto
caótico em que viviam.
Era uma vez - no tempo homogêneo
e vazio do qual me falava Walter Benjamim - aquele grupo
virulento, ácido e maduro chamado Titãs, que
já em toda a década de 1990 e início
dos anos 2000, contribuiria para o surgimento dos bons frutos
dentro e fora do eixo Rio/ São Paulo, seja na ótima
safra de Pernambuco, com Nação Zumbi, Mundo
Livre S/A, Cordel do Fogo Encantado, na grande e singular
epidemia gerada por bandas como Legião
Urbana (apadrinhados pelos Paralamas na figura de Bi Ribeiro,
ex-aluno de inglês de Renato Russo e que apresentou-os
a EMI) e, posteriormente, Los Hermanos ou, no Ceará,
com a autêntica banda Cidadão Instigado. Mas,
diferentemente da maioria das bandas citadas acima, em certa
medida, o que se pôde ver no histórico show
foi, além da privação ao acesso às
informações relativas ao rock
brasileiro via empresa de tv por assinatura Sky, dois grupos
musicais antagonicamente opostos nos dias de hoje: de um
lado, os Paralamas, que ainda mantém seu respeito
passado através de novas e boas canções
e, do outro, os Titãs, cada vez mais superficial,
estéril e inerte no tempo, embora tecnicamente e
com o bom repertório de músicas antigas ainda
consigam fazer um bom espetáculo.

A arte precisa ser engajada?
Não, claro que não! Pode-se falar de amor,
da existência, do caos, do mictório de Duchamp?
Sim, claro que sim! No presente caso, o que é condenável
é o fato da informação de algo que
foi originado e desenvolvido no Brasil, por isso rock brasileiro,
após dezenas de anos, ser monopolizado por uma empresa
de tv por assinatura (que nada tem a ver com a construção
de tal manifestação cultural) com o título
25 Anos Rock e não permitir-se que a imprensa brasileira
ou seriam apenas as raias miúdas
e independentes desse grande mercado de cartas marcadas
no qual imperam os valores do capital? tenha acesso
ao mínimo de informações. Mais uma
vez, os bons frutos dados no nordeste elucidam tal processo:
Acabo de comprar uma tv à cabo/ Acabo de entrar
pra solidão, acabo/ Acabo de cair no 16, à
cabo/ Acabo me tornando um usuário/ Do 12 pro 57
é um assalto (...) É 171/ Só não
caí porque sou nordestino bem alimentado, diz
a poesia do músico pernambucano Otto. Antes do término
de tal evento - iniciado no dia 27 de outubro de 2007, em
Belo Horizonte, e com fim previsto para o dia 19 de janeiro,
no Rio de Janeiro -, saímos, eu e minha mais nova
parceira de trabalho, pruma fritas com cerveja num boteco
qualquer em Salvador. Falamos de coisas simples, cantamos
sambas. Dali pra frente é que o dia tornou-se realmente
vivo e interessante.
Blá
blá blá
Por Emília Núñez
Paralamas e Titãs na
Concha Acústica. Após trinta minutos (o que
significa 30 minutos na Bahia?!) procurando uma vaga para
estacionar o carro e pagar cinco reais ao guardador, um
pirralho de uns 15 anos que, apesar de simpático,
fez questão de me cobrar antecipado, encontro Nilmar
Barcelos na entrada do show. Ingressos esgotados. O nome
de Nilmar e mais um fotografo (eu, no caso) estavam na lista.
Entramos, enquanto Félix, minha amiga, voltava pra
casa por não ter comprado ingressos antecipadamente
e recusar-se a ser extorquida pelos ambulantes. Chegamos
com a van do Titãs - o mais perto que estivemos deles
em tal noite. A doce ilusão de entrevistá-los
durou pouco. Site de Minas? Nada de entrevista, nem
fotos. Mas vocês podem assistir ao show, se quiserem...
Entrem por aquele portão ali, apontou a moça
da produção.
Entramos. Ainda impressionados
com a noite anterior (Mangue Beat), imaginávamos
que não teríamos o mesmo acesso, mas quem
sabe a possibilidade de tirar as fotos de algum lugar menos
cheio ou até uma entrevista curta. Que nada. Vocês
podem entrar por aquele portão ali. E assim
o fizemos, caindo no mar de gente que lotava a Concha. Gente
de todo tipo. Da família reunida, casais, garotada,
patricinhas no camarote até a galera de camisa de
banda, moicano e munhequeira. Quebramos a cabeça
pensando em como fazer a cobertura do show, afinal, não
estávamos lá para assistir apenas, mas à
trabalho. Acabamos no gargarejo, bem na frente do palco.
Um casal simpático cedeu espaço para que eu
me aproximasse um pouquinho mais em alguns momentos... e,
na raça, fui tirando as fotos sem nem mesmo olhar
no visor. A minha sorte é que sou alta,
então a técnica era levantar o braço,
esticá-lo o máximo possível, apontar
e cruzar os dedos pra captar alguma imagem.
Bem diferente da noite Mangue
Beat, em que me senti capturada pelo show e com total liberdade
para registrá-lo, dessa vez me sentia engolida pela
multidão, quase não conseguia ver o que estava
acontecendo. Mas, aos poucos, as pessoas foram se acomodando,
se encaixando, e, às vezes, conseguia ver o palco.
Titãs e Paralamas juntos, as músicas empolgando
o pessoal, todos cantando, pulando e eu esmagada, é
verdade, ora tentando proteger a câmera, ora tirando
as fotos.
A participação
de Carlinhos Brown foi animada e o show como um todo foi
bonito, redondo, profissional. Entretanto, a impressão
que tenho é que não me surpreenderia se algum
deles gritasse: Boa noite, Minas!. Não
senti a mesma sinceridade, entrega e despreendimento de
Otto e Mundo Livre. Me surpreendi, porém, com o gás
deles! Deve ser dificil se manter como banda por tanto tempo
e levar um show de duas horas sem se cansar, conquistando
o público, colocando todo mundo pra bater palmas,
balançar os braços e cantar junto.
No finalzinho, subimos para
tirar fotos de cima. Há algum tempo não via
a Concha tão cheia. É algo lindo de presenciar.
Lá de cima, dava pra ver onde estávamos antes.
Éramos formiguinhas mesmo. Mas missão cumprida!
Poucas fotos boas, bem verdade, mas parceria selada: dali,
eu e Nilmar fomos comer batata frita, beber Brahma e cantar
sambas em outro canto de Salvador.
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Nilmar Barcelos é
uma mentira contada, uma piada de mal gosto, um erro de
roteiro, uma torta reta, uma rota morta, uma grande farsa.
Em partes jornalista, embora o todo gonzo. As vezes feliz,
freudiano sempre. Puramente obsceno. Nietzschiano, mas nem
sempre humano. Escreve todas as sextas no Retalhos Culturais.
E-mail: nilmarbarcelos@gmail.com
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