
10/01/08
Espião americano se disfarça
de peixe
Peixe não pisca, assim
como não fala.
Outro dia, durante o jantar,
aconteceu algo engraçado. O peixe que estava no meu
prato piscou. Piscou, mas não foi só isso.
Ele começou a falar. O que eu achei engraçado
foi que ele, apesar de ter sido vendido como um peixe suiço,
falava português. Bom, não sei se você
já passou por situação semelhante.
Mas já te digo o óbvio. É assustador!
Na primeira piscadela não
acreditei, achei que tinha sido uma ilusão de ótica.
Continuei a comer as batatas que vinham de acompanhamento
com o pobre Peixe Suiço. Logo depois da primeira
mordida escutei:
O pá! Está
bom?
Olhei para os lados achando
que o garçon quem falava comigo. Não era.
Ao meu lado somente uma velhinha simpática que não
parecia ter a voz tão grossa. Procurei por debaixo
da mesa para ver se alguém estava de brincadeira.
Também não. Então, olhei para o meu
prato, e lá estava ele. Piscando para mim. Não
acreditei, de impulso, levantei, assustado com aquele Ser.
Depois, quando minha mente se tranquilizou, isso deve ter
demorado alguns segundos, voltei ao meu prato e observei
atentamente o peixe.
Ele me encarava. Parecia um
pouco assustado. Decidi bater um papo. Perguntei se ele
estava bem e se era uma espécie de Nemo, que corria
atrás de seu filhinho e acabára na frigideira.
Ele me respondeu que estava bem e que não corria
atrás de filhinho nehum, pois era estério.
Pediu que eu mantesse a calma e soltou a bomba: Sou
um espião americano, se me comer, morre!
Não acreditei. Um espião
americano no meu prato? Como assim? O que ele fazia aqui
em Portugal? E o pior, por que ele falava Português,
sem sotaque de americano? Fiz todos esses questionamentos
para ele, e ainda perguntei por que ele não falava
Suiço, já que o dono do restaurante jurava
que a truta era do país Nórdico. Além
do mais, tinha o fato dele não falar em Inglês.
Você não é americano?
Percebi sua aflição
diante de tamanhos questionamentos. Lágrimas começaram
a escorrer pelos seus olhos e minhas batatas começavam
a ficar molhadas. Ele com uma emoção, que
eu podia jurar que era Portuguêsa. Começou
a me contar sua história. Enquanto isso, me lembrei
de que estava em um restaurante, e observei para ver se
alguém me observava. Ao meu lado apenas a boa e simpática
velhinha. Voltei a meu prato.
O Peixe me contou que não
era suiço, muito menos americano. E que eu podia
ficar calmo, pois ele não iria me matar. Juro, em
tal circunstância, me senti aliviado. Não duvidaria
se aquele peixe me desse um golpe mortal com sua nadadeira,
bem ali, ao lado daquela senhora, que também morreria
de enfarte! Mas, continuando, ele me contou que tinha saído
das águas poluidas do Tejo. Nadava livremente por
lá, apesar da sujeira. Um dia, chegou a seus ouvidos
que era oferecido, perto do porto de Lisboa, uma possibilidade
de vida nova. Não pensou duas vezes. Se inscreveu
no que os peixes chamavam de Universidade Nuno Lísboa.
Curiosamente, Nuno Lísboa, era o nome da cantina
em que eu estava. Foi ai que dois dias depois da inscrição,
o Peixe foi escalado para subir de vida. Houve
uma pequena celebração por parte de sua familia
e amigos, e ele então embarcou na rede e fora parar
ali, no meu prato, enganado.
Decidi não comê-lo,
e prometi que iria tirá-lo dali.
Embrulha para viagem,
pedi ao garçon.
Levei-o para casa com a promessa
de que no dia seguinte o jogaria novamente no Tejo. Ele
ficou feliz. Deixei-o durmir na geladeira, para que não
se esfriasse no frio português. No dia seguinte ao
acordar, ele já não estava na embalagem. No
Lugar, apenas um bilhete.
Marcelo,
comi o peixe que estava na
geladeira. Trago-te outro para o almoço.
Maria
Lágrimas corriam pelos
meus olhos. Pensei no Tejo. Pensei no peixe.
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2007
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Marcelo Valadares é
jornalista com sérias pretensões de se tornar
escritor, poeta, professor universitário, crítico
de arte, cineasta, prêmio Nobel da paz, pedinte, astronauta,
músico, cantor de Fado, dançarino de Tango,
mestre de Bateria e Neo-boêmio. Escreve para O binóculo
todas as quintas. Fale com ele: marcelo_valadares@hotmail.com
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