
07/04/08
A sujeira lírica. Por
que não se suja?
Sujo. Assim há dias, talvez anos. Ele não
sabia mais. Ninguém sabia. Tinha fugido. Ao perder-se
de sua sujeira interna, tornou-se rasgado. Seus lixos o
possuíram. Perdia-se. Sua mente tornou-se limpa.
A limpeza o fez tornar sujo. Seus dentes podres. Sua calça
rasgada. Seu cheiro marrom. Seu cu sem limpar. Ele era limpo.
Sentado no banco do metrô. Ninguém perto. Pelo
cheiro, pela visão, pelo possível tato. De
qual sentido as pessoas fugiam? Ele era limpo. Demais para
a sociedade. Limpo demais para o sujo de gravata Armani.
Ele era puro. Vivia consigo. Para si. Só. Não
tinha mais nome. Não tinha dinheiro. Vivia como lixo.
LIXO. Em uma sociedade de reciclados, é um luxo ser
lixo. Ele era um luxo.
Ele era um saco, voando com o vento. Desses que sobem, dançam,
sós de outros sacos, mas acompanhados pelas flores
das árvores. Ele era isso. Limpo. Limpo. Limpo. Quando
dormia, em seu papelão, e na sua sacola para apoiar
a cabeça, dormia. Para ele, o mundo era só
seu. E realmente era. Não tinha dificuldades. Simplesmente
as abandonou quando se tornou um lixo. Não tinha
passado. Fez questão de reciclar tudo em sua mente.
Sofrimento não tinha. Era um canibal e vivia comendo
seus semelhantes. Recusava as coisas limpas vindas dos sujos.
Ele era poesia. Poesia. Ele era poético demais. Lírico
em excesso para uma paisagem tão bruta. O lirismo
atrapalha os brutos. O lirismo é coisa de viado.
A poesia é somente para os fracos. Por isso foi queimado.
Sua poesia foi incinerada. Seu coração batia
em chama. Explodia com a brutalidade do fogo. Lixo em uma
sociedade de reciclados, é luxo. Lixo que não
pode ser reciclado tem que ser queimado. Poesia é
lixo. Ele era um lixo. Queimado.
Poesia queimada. Tem coisa mais poética?
Agora ele era pó. Somente pó. Limpo.
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2007
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Marcelo Valadares é
jornalista e mestrando em Ciências da Comunicação
pela Universidade Nova de Lisboa. Escreve para O binóculo
todas as quintas. Fale com ele: marcelo_valadares@hotmail.com
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