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Baby Boom
     
 
 
     

Desde que nascera não tinha vivido. Era santa. Cristã. Frequentava a Igreja. Vivia para a familia e para os estudos. Amigos, tinha seu cachorro e seus irmãos. Terezinha queria ser Tereza, pelo menos uma vez na vida, queria ser Tereza com todas as sílabas.

 

07/02/08
Homenagem a Terezinha, Tereza e Dona Terezinha de cada um

Tem gente que nasce tarde e morre tarde. Têm os que morrem cedo e os que não nascem nunca

Uma pergunta. Ela incomoda Dona Terezinha.

Dona Terezinha, foi apenas Terezinha. Nessa época, a palavra “dona” só era aplicada a seu nome, para referir a relação que ela tinha com um cachorro. Dona Terezinha foi Terezinha até o dia.

Terezinha. Tereza Nascimento Mesquita. O inha, em seu nome, foi imposto desde do dia em que a buceta da sua mãe se abriu e ela saiu. Ela nasceu com inha. Viveu inha, até o dia.

O dia. 20 anos de inha. 7 de maio. Ano qualquer. Terezinha, “Tem gente que nasce tarde”, leu em um livro, um dia antes. Terezinha teve sorte, tem gente que não nasce nunca. Nesse dia do ano qualquer, Tereza nasceu. Terezinha estava radiante. Acordou radiante, como todos os dias acordava. 5 da manhã. Fez café para o pai, colocou o cachorro para fora. Abriu todas as janelas da grande casa e. Respirou. Respirou com toda sua força. Sentiu todas as moléculas de ar lhe penetrarem. Sentiu. Sentiu que precisava nascer, não se lembrou da frase do dia anterior “Tem gente que nasce tarde”, mas estava. Estava no dia.

Desde que nascera não tinha vivido. Era santa. Cristã. Frequentava a Igreja. Vivia para a familia e para os estudos. Amigos, tinha seu cachorro e seus irmãos. Terezinha queria ser Tereza, pelo menos uma vez na vida, queria ser Tereza com todas as sílabas. TE-RE-ZA. Um impeto. Tereza expirou. Parou de sentir. Correu. Correu sem olhar para trás e fugiu. Sem medo. Agora seria Tereza. Sentia-se TEREZA.

Ao correr deixava Terezinha para trás. Boca e olhos. A lágrima pelo inha. O sorriso por eza. Tinha fome pelo sorisso. Tinha fome pelo fim daquela corrida. Queria correr. Corria para sair da Buceta. Nascia para a vida. Sentia, Nascia. Sorria. Um sorisso preso. Uma gargalhada Bruta. 20 anos guardada. 20 anos foi preciso viver para nascer, para correr, para fugir.

Nascida, pegou um ônibus. Não tinha dinheiro. Sua virgindade em troca de uma passagem. Sua buceta em troca da vida. Qualquer lugar. Tereza foi. Para qualquer lugar. Foi para sua vida. Chegou em uma cidade grande. Era linda e sem virgindades. Sem passado. Chegou. Podia ser quem quissese. Escolheu ser Tereza.

Escolheu a Tereza guardada em si por 20 anos. Escolheu uma Tereza sem inhas. Não queria mais o limite de qualquer inha. Pensava putaria. Não foi Puta. Sua putaria era saber o que queria. Puta de saber. Sabia. Queria. Viver tudo que queria. Um primeiro olhar. Vontade. Viver, para ela, era matar as vontades. Tinha muitas vontades. A primeira delas, realizou logo na primeira noite. Tinha vontade de Marias e Madalenas, João e Josés. Supriu. Viveu.

Viveu. Até o dia. Cada ano que passava Tereza nascia mais. Nascia esplêndida. Feliz. Muita vida ela viveu. Um amor, ela viveu. Um amor ela perdeu. Nasceu. Viveu o amor, viveu a perda. A dor para ela era vida. Sentia-se viva ao fumar na janela. Sentia-se viva ao ser espetada pela perda. Sentia. Era Tereza. Era. Era alguém que vivia, até o dia.

Tereza leu em um livro. “Tem gente que morre tarde”. Tereza nascia. Tereza. Cada ano. Passou. Tereza. Passou. Passou. Correu. E agora, o inha. O inha de volta. Dona Terezinha. Dona e a pergunta. Uma. Uma única. Uma única pergunta em forma de várias, atormenta Dona Tezinha. Quando? Quando foi? Quando foi? que ela não percebeu. Que dia ela se tornou Dona Terezinha? Não tinha mais cachorros. Não podia dizer que tinha uma vida, apenas esperava a morte, como alguém a um ônibus. Esperando. Esperando e se perguntando:

Quando morreu Tereza?


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2007


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Marcelo Valadares
é jornalista com sérias pretensões de se tornar escritor, poeta, professor universitário, crítico de arte, cineasta, prêmio Nobel da paz, pedinte, astronauta, músico, cantor de Fado, dançarino de Tango, mestre de Bateria e Neo-boêmio. Escreve para O binóculo todas as quintas. Fale com ele: marcelo_valadares@hotmail.com




   
 

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