
31/10/08
Entrevista
/ Deolinda e Dead Combo
DOBRADINHA PORTUGUESA
O Binóculo entrevistou as bandas Deolinda e Dead
Combo, originais de Lisboa, para tentar descobrir qual é
o futuro da música portuguesa e qual a relação
com outras culturas. Não conhece nada de música
portuguesa? Então, siga em frente.
Como as bandas se consolidaram no cenário da música
em Portugal?
Dead Combo: Foi um processo que demorou
5 anos, desde o nosso primeiro álbum (Vol. 1.) ficamos
um pouco espantados com a recepção que tivemos
por parte da crítica. Visto a nossa música
ser instrumental, sempre pensamos que seria um trabalho
para um pequeno grupo de pessoas, mas com o passar do tempo
e com os vários álbuns, vemos que afinal,
esse pequeno grupo não é tão pequeno
assim.
Deolinda:
Começamos em 2006, com alguns shows ao vivo, que
correram bastante bem. Depois disso as pessoas começaram
a fazer a famosa propaganda boca-a-boca e assim o público
nos shows foram aumentando. Em 2007 tivemos uma agenda cheia
de apresentações ao vivo e no final do ano,
gravamos o nosso álbum de estréia, "Canção
ao Lado", que entrou para o Top Nacional na primeira
semana e que, até agora, tem marcado presença
semanal no Top.
O fado tradicional,
hoje, não é muito valorizado pelos jovens
portugueses. Vocês têm a influência deste
estilo em suas músicas. A intenção
é fazer um resgate? Existe um movimento que pensa
neste resgate da tradicional música portuguesa?
Dead Combo: Existe, neste momento, em Portugal,
uma procura, por parte das gerações mais novas,
de uma identidade que não é a dos nossos pais
e avôs. Os valores que eles tinham não fazem
sentido atualmente e creio que na música se passa
um pouco isso, até mesmo com os chamados "novos
fadistas" existe uma procura dessa identidade. Sem
relegar o passado, mas afastando-se da idéia nacionalista
que fomos obrigados a viver durante décadas (A ditadura
em Portugal começou no dia 28 de Maio de 1926 e terminou
com a Revolução dos Cravos em 25 de Abril
de 1974) . O que nós tentamos fazer é integrar
de alguma maneira uma certa Portugalidade na música,
sem recorrer a instrumentos tradicionalmente ligados ao
Fado. Costumamos dizer que já que aqui vivemos então
porque não aproveitar esse fato e torná-lo
uma vantagem?
Deolinda: Nos
últimos anos, uma nova geração de músicos
portugueses trouxe uma nova dinâmica para a música
tradicional e popular, a qual também inclui o fado.
Tal como a Deolinda, são muitos os grupos que surgiram
e que de certa forma, encaram a tradição musical
portuguesa como um desafio criativo e artístico.
O tempo dirá se é um movimento ou não.
Como o fado esteve presente na vida de vocês?
Dead Combo:O Fado está sempre presente na vida de
qualquer português. Ao andares na rua, ouves pequenos
rádios das casas das pessoas a cantarolar fados,
nascemos a ouvir Fado. O que não quer dizer que o
Fado seja uma influência consciente na nossa música.
Acho que aquilo que fazemos é pegar em melodias e
ritmos associados ao Fado e transportamo-los para o nosso
universo musical por meio de filtros da nossa maneira de
tocar.
Qual a importância
de Carlos Paredes na música de vocês? ( O primeiro
albúm do Dead Combo foi uma homenagem ao músico)
Dead Combo:
O Carlos Paredes tem uma influência enorme na nossa
música. Para teres idéia, os Dead Combo surgiram
a partir de uma homenagem ao proprio. O Tó foi convidado
para participar em um disco de homenagem e convidou-me a
gravar com ele, a experiência correu tão bem
que dura até hoje!! O legado musical desse gênio
da guitarra portuguesa é audível na nossa
música, seja na maneira como tocamos os ritmos ou
mesmo nas melodias dos nosso temas.
Algum Bairro especifico em Lisboa que vocês tem mais
inspiração para compor?
Dead Combo:
O Bairro Alto, em Lisboa. É por excelência
o bairro onde a vida cultural se faz mais sentir. Existem
centenas de artistas de todas as áreas que aí
vivem, dezenas de bares, clubes, galerias, restaurantes,
todos eles com muitas histórias para contar. Ao mesmo
tempo ainda há uma parte da população
do bairro alto que vive lá desde sempre, desde o
tempo em que era um bairro cheio de prostitutas e proxenetas,
fadistas e bandidos. Tanto eu como o Tó sempre estivemos
em contacto com o bairro. Ambos vivemos nele...
A cidade entra
na música?
Deolinda:
Lisboa é a nossa cidade. Todos os elementos da Deolinda
vivem em Lisboa. Naturalmente Lisboa é o cenário
de algumas das histórias que a Deolinda conta. Lisboa
bairrista, Lisboa suburbana, Lisboa antiga e moderna...
a Deolinda canta todas estas "Lisboas"... Lisboa
é uma fonte inesgotável de inspiração.
Da cultura portuguesa,
quais são os aspectos que vocês acham que deveriam
ser mais conhecidos fora de Portugal?
Dead Combo:
A arte em geral. Temos artistas de várias
áreas que nunca foram reconhecidos, nem mesmo em
Portugal. Atualmente nota-se que a geração
mais nova já não tem o preconceito de ser
português e afirma-se no Mundo com aquilo que fazem.
Existem dezenas de bandas que fazem música incrívelmente
boa e que lentamente estão a caminhar para fora do
país. Deveria sim haver um esforço por parte
do Estado no sentido de exportar a cultura como um todo,
mas nunca tal aconteceu e não acredito que aconteça
brevemente.
Deolinda: Há
muitos aspectos positivos a realçar na cultura portuguesa.
Portugal é um país de virtudes (embora, por
vezes, tenha o defeito de não as saber reconhecer),
destacamos, entre muitas, a música, a gastronomia,
a história, a literatura e a poesia...
Qual vocês
acham ser o futuro da música portuguesa?
Dead Combo: Um belo futuro! Acho, como
disse à pouco que deixamos de ser preconceituosos
em relação ao que se faz por cá. Durante
anos a música e muitas outras artes eram sempre comparadas,
negativamente, com o que se fazia no resto do mundo. Houve
pessoas que quebraram essas barreiras, que arriscaram e
conseguiram provar que aquilo que fazem é de qualidade
em qualquer lugar. Isso serviu de exemplo para as novas
gerações que já não se olham
como portugueses, mas sim parte do mundo e na música
temos vários exemplos recentes disso: os Buraka Som
Sistema, Moonspell, etc.
Deolinda: A
música portuguesa atravessa uma fase de grande dinamismo
e fulgor com muitas bandas novas com projetos interessantes
a aparecer. A tal fenómeno não deverão
ser alheios espaços como o myspace e o youtube, onde
se pode promover a música sem custos e que têm
sido fundamentais também na divulgação
do nosso trabalho.
Além da cultura portuguesa vocês têm
influências de estilos de fora de Portugal. É
uma tendência dos novos músicos do país?
Dead Combo: Creio que sim. Nós somos
pessoas muito ecléticas no que toca à música.
Ouvimos de tudo um pouco. Acho que essa abertura permite-te
incorporar elementos de outras músicas sem que seja
uma colagem, mas sim uma incorporação natural.
Como Portugal viveu fechado ao resto do mundo durante décadas,
a reação agora é de abertura total
ao que se faz no resto do mundo.
Alguma influência
que seja mais evidente?
Deolinda:
Temos influências de outros artistas portugueses,
como Madredeus, António Variações,
Zeca Afonso, Amália Rodrigues, Alfredo Marceneiro...
E de músicas de outros países, como do Brasil.
A parte gráfica
do Albúm da Deolinda é inspirado em Histórias
em quadrinhos. O português tem uma paixão pela
HQ. Como essa paixão nacional entrou no trabalho
de vocês?
Deolinda: Todos
na banda são fãs de HQ e foi algo que acrescentamos
ao projeto de uma forma natural. O próprio conceito
da banda, uma personagem feminina fictícia, lisboeta,
solteira, de meia-idade, que conta as suas histórias
e as histórias de vida dos seus vizinhos, que observa
da janela, pedia uma ilustração. O João
Fazenda é um dos melhores ilustradores do país
e também é nosso amigo, daí que a imagem
da Deolinda surgisse de uma forma quase espontânea
e natural.
O número de imigrantes em Portugal tem crescido
nos últimos anos, no aspecto cultural, veêm
algo de bom nisso?
Dead Combo: Claro que sim. Sendo os portugueses
um povo emigrante, acho que compreendemos bem o que isso
significa. Culturalmente acho que Lisboa, por exemplo, nunca
foi tão diversificada como agora o que só
por si é excelente. Poder ouvir na mesma noite músicos
brasileiros, angolanos, russos e de outras paragens é
uma dádiva da imigração!
Deolinda: Claro!
Vemos com muitos bons olhos. O fluxo de imigração
favorece o intercâmbio cultural. Surgem novas idéias.
Surgem novos caminhos. A expectativas só podem ser
as melhores. Daqui a uns anos, quando se fizer um balanço
cultural desta época que vivemos, estamos em crer
que o saldo será bastante positivo.
Previsão
de shows no Brasil?
Dead Combo: Para já não.
Não estabelecemos ainda contatos nesse sentido e
creio que teremos de esperar um pouco para dar a conhecer
a nossa música.
Deolinda: Ainda não há nada
certo, mas a Deolinda ia adorar!
Mais informações:
www.myspace.com/deadcombo
www.myspace.com/deolindalisboa
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Marcelo Valadares é
jornalista e mestrando em Ciências da Comunicação
pela Universidade Nova de Lisboa. Fale com ele: marcelo_valadares@hotmail.com
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