
29/12/07
A moerda
-Reforma? Prefiro vender a casa.
É minha resposta cada vez que ouço alguém
falar sobre realizar obras em casa. Fui treinado nesse calvário.
Pelos melhores. Pedreiros, encanadores, eletricistas, telhadistas,
pintores, gesseiros, jardineiros... Capitaneados por um
empreiteiro. Todos inteligentes enganadores, que prometiam
e jamais cumpriam. Mas cobravam direitinho. Tem uma frase
que, quando ouço, me arrepia:
- Quando secar vai ficar igual,
Doutor.
Tratei desse tema recentemente
num outro artigo, o Foi Mal, quando publiquei
um e-mail de um leitor, o Caio, que repito aqui:
Outro dia, o dono da
empresa que trocou o telhado de minha casa tascou: Então,
Seu Caio, desculpe alguma coisa, tá? Na hora,
eu ía responder: Ué, mas se você
fez algo para se desculpar, vai lá e arruma, ainda
dá tempo! E ele, em vez de me pegar pelo braço
e ir mostrar orgulhosamente sua obra, as qualidades, modo
de usar, tecer comparações entre o prometido
e o realizado etc. perpetrou o indefectível Tchau!,
entrou no carro e se mandou. Aí fiquei pensando:
já ouvi essa frase algumas vezes nos últimos
tempos. Parece que ela está ficando comum, no Brasil,
em vez de fazer o serviço direito, fazer de qualquer
jeito e então pedir desculpas por alguma coisa.
O profissionalismo terá mesmo ido pelo ralo? O 'desculpe
é apropriado para o feito nas coxas.
Pois proponho ao Banco Central criar uma moeda flexível:
um Real que valesse mais ou menos conforme a qualidade do
serviço a ser pago. Essa moeda de escala flexível
funcionaria assim: um serviço impecável você
pagaria com um Real A bom, firme. Um serviço
mais ou menos você paga com o Real B que
só dá para comprar 1/3 ou metade das coisas
com ele. Seria legal, não? A moeda corresponde à
qualidade do serviço a pagar. Talvez assim, conseguíssemos
realizar algo muito simples: cumprir e pagar conforme o
contrato firmado.
Naquele artigo, o Foi
Mal, achei a idéia do Caio interessante! O
Real de merda para pagar serviços de merda...
Pois fui adiante, evoluindo a idéia do Real flutuante.
Vou mandar uma proposta para uns políticos, com uma
sugestão de mudança na moeda.
Teremos uma moeda e uma moerda.
A moeda é o Real, que continua como está.
E a moerda é o tal real flutuante, que
vale uma fração do Real normal. Mas que não
pode chamar-se real flutuante. Não orna.
Fui então pesquisar um nome para a moerda: algo que
promete uma coisa, entrega outra fora das características,
inventa uma desculpa e se manda. E depois aparece de novo,
com a cara lavada, pra prometer outra vez e entregar tudo
torto. E sempre se dá bem.
Pesquisei, perguntei, comparei e achei! O nome da nova moerda
será: Inácio.
Inácio vem
do latim ardente, fogoso e indica uma pessoa
vivaz e inteligente, que em geral amadurece com as dificuldades.
Supera com bom humor e perseverança os obstáculos
e acaba obtendo grandes êxitos.
Perfeito. Descreve direitinho aquele empreiteiro de moral
torta que me enganou na reforma da casa.
O nome da moerda será
Inácio. Você combina o valor do serviço.
Se tudo estiver conforme o acordado, paga em Reais. Mas
se o sujeito entregar algo diferente do que prometeu, paga
em Inácios. Os Inácios sempre valerão
uma fração do Real, variando de tempos em
tempos conforme o índice FHC, Fator de Honra e Credibilidade,
definido pelo partido que estiver na oposição.
A moerda será identificada como RI$.
Aqueles deputados e senadores
que vendem seus votos passarão a receber os salários
em Inácios. O apresentador de televisão que
promete cultura e entrega lixo, receberá em Inácios.
Os jogadores do Corinthians receberão em Inácios.
Os shows daqueles pagodeiros de plástico serão
pagos em Inácios. Passagens aéreas? Inácios.
Telefonia celular? Inácios. Aquele depósito
em nome do Senhor? Inácios.
Sabe qual é o perigo? É que o Inácio,
nascido para ser a exceção, em pouco tempo
transforme-se em regra. E todo mundo vai se acostumar. E
o padrão baixa de vez para Inácios.
Em vez de ser do Real, o Brasil será o país
do Inácio.
Pô... Pensei que eu estava
criando uma novidade...
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Luciano
Pires é jornalista, escritor, conferencista
e cartunista. Faça parte do Movimento pela Despocotização
do Brasil, acesse www.lucianopires.com.br.
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