
22/12/07
Natais legais
Escrever sobre Natal - no Natal
- é uma obrigação. Mas com o tempo
a gente meio que esgota o assunto. Apesar disso, em minhas
pesquisas encontrei uma frase genial da escritora e humorista
estadunidense Erma Bombeck:
- Nada é mais triste
neste mundo do que acordar numa manhã de Natal e
não ser criança.
Pronto. Bastou para me abrir
um turbilhão de lembranças...
Engraçado como o melhor Natal de nossas vidas é
sempre um daqueles quando éramos crianças,
não é? Parece que depois o Natal perde a graça.
E acho que perde mesmo. Lembro-me de um em especial. O ano
era 1966. Ou 67. Eu acabara de colocar meu primeiro par
de óculos. Desde os oito anos eu percebia nas missas
de domingo que cada vez ficava mais difícil enxergar
a cara do padre. Afinal, lá em Bauru a igreja Santa
Terezinha era gigantesca para uma criança que sempre
sentava nos bancos lá do meio. Devia ter uns cinqüenta
ou sessenta metros até o padre. Reclamei pra minha
mãe e lá fui eu pro oculista. Interessante:
a maioria das pessoas com quem converso diz que descobriu
em sala de aula que precisava usar óculos. Comigo
foi na missa... E hoje, quando vejo as fotos da época,
fico com vergonha. Minha mãe comprou uma armação
horrível, gigantesca. E as lentes eram verdes. Fiquei
com uma cara de não sei o quê.
E então chegou o Natal.
Meus natais sempre foram especiais, passados em família
e que família na casa de meus avós
maternos. Seu Duarte e Dona Dora recebiam filhos e netos
para pelo menos três dias de bagunça. Quando
eu tinha dez anos, devíamos ser vinte pessoas. Todos
os adultos davam presentes pra todas as crianças.
Era uma festa! Mas naquele ano a coisa foi diferente. Só
ganhei presentes que crianças detestam: meias, cintos,
lenços... Fiquei frustradíssimo. Meus primos
com brinquedos, todo mundo feliz e eu emburrado. Findo o
jantar, voltamos pra casa. E eu não me conformava.
Outro Natal, só dali a um ano. E eu com aqueles presentinhos
mequetrefes...
Quando chegamos em casa, meu
pai estranhamente pediu que eu fosse na frente para acender
a luz do quarto. Não lembro que argumento ele usou,
mas fui. Quando abri a porta de meu quarto, todo escuro,
senti um cheiro forte de coisa nova. Acendi a luz e lá,
bem no meio, havia uma maravilhosa bicicleta. Uma Monareta
vermelha e branca, a bicicleta mais linda que já
vi na vida. Com um desenho diferenciado, rodas pequenas
e aparência mais robusta que as bicicletas tradicionais,
a Monareta era o sonho de qualquer garoto. E ali estava
a minha. O Natal que se configurava o maior mico transformou-se
para mim no melhor Natal de todos os tempos. Quando penso
em Natal, me lembro daquele momento.
No dia seguinte acordei mais
cedo, agitado. E corri encher o pneu da bicicleta para inaugurar
meu presente. Saí da garagem com cuidado, pois eu
ainda não me entendia muito bem com bicicletas e
fui me equilibrando como pude. Quando cheguei próximo
da esquina perdi o equilíbrio e quase fui ao chão.
Tive que fazer uma manobra estranha para não cair.
Um garoto que vinha passando assistiu a cena e gritou:
- Vai ô quatro-olho!
Naquele momento meu melhor
Natal acabou. Fui cuspido de volta para a realidade, para
encarar a verdade terrível: eu usava óculos!
Era um quatro-olho, motivo de piada pelo resto
da vida. Não sabia que no futuro as coisas mudariam
e usar óculos seria fashion. Até
quem não precisasse pagaria uma fortuna para ostentar
um Armani sobre o nariz. Um dia escreverei a
respeito.
Agora quero voltar pra minha Monareta. É dela que
quero lembrar.
Enquanto isso deixo com você, como presente de Natal,
uma outra frase. Esta eu não sei quem escreveu, mas
é tão genial quanto a que usei para abrir
este texto:
Uma das coisas legais
do Natal é que você pode fazer as pessoas esquecerem
o passado com um presente.
Feliz Natal.
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Luciano
Pires é jornalista, escritor, conferencista
e cartunista. Faça parte do Movimento pela Despocotização
do Brasil, acesse www.lucianopires.com.br.
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