
09/02/08
O milho e o fubá
Minha filha adolescente dá
um trabalho... Tira notas baixas na escola e quando vou
reclamar ela diz com todas as letras:
- Todo mundo foi mal. Até mais do que eu.
Reclamo que ela não
estuda, que fica tempo demais na internet. E ela é
infalível: Os outros alunos também ficam.
No final de semana sai com
as amigas. E eu fico na orelha para que ela não ande
no carro dos amigos mais jovens, que ainda não têm
noção do perigo e que bebem nas festinhas.
Ah, pai, todo mundo anda!
Quer festa de aniversário.
Vai convidar os amigos. Menores. Digo que não vou
deixar servir bebidas alcoólicas. Lá vem bomba:
Mas em todas as festas que eu vou eles servem!
Aí chegam as provas
de final de ano. Resultado: dependência. As malditas
depês. Pulo na garganta dela, só
para ouvir: Os outros também ficaram.
E quando ela vem com suas desculpas de adolescente, mando
o velho:
- Quando você vai com o milho, já voltei com
o fubá.
E assim levo a vida, em constante
atrito com a aborrescente. Até ela amadurecer e entender
que existe uma coisa chamada responsabilidade,
e que não deve usar o comportamento da maioria de
seus amigos como justificativa para seus erros e omissões.
Esse talvez seja o maior desafio
dos pais: desenvolver o senso de responsabilidade nos filhos.
E também o ensinar como utilizar a prática
da paridade. Paridade é uma comparação
que prova que uma coisa é igual a outra, ou semelhante.
É por meio dela que entendemos o mundo. A gente vê
ou ouve as coisas e exercita a paridade, comparando o que
vemos ou ouvimos com o que conhecemos. Esse exercício
comparativo - com base em nossos valores e convicções
- é que fundamenta nossos julgamentos. Consideramos
algo bom ou ruim a partir dessas comparações.
O que minha filha faz é
um exercício de paridade de adolescente. Quando reclamo
das notas baixas ela compara com os outros amigos. E conclui
que o problema não é só dela, é
da maioria. Portanto deve ser normal. E se é normal,
não deve ser tão ruim... Ah pai, não
exagera!
Seu conceito de responsabilidade
ainda não amadureceu para entender que a normalidade
não se determina pelo comportamento dos outros. Nem
da maioria. Fosse assim, trezentos torcedores de um time
trucidando um torcedor do time adversário seria normal.
E esse mau uso da paridade
não é problema exclusivo dos adolescentes,
não. Olhem o caso dos gastos com cartões corporativos
do governo. Um escândalo que traz à luz mais
uma vez um exercício da paridade dos adolescentes
feito por adultos. Alguém apontou comportamento errado
dos integrantes do governo? Compare com o governo anterior.
Não importa se o PT governa desde 2003. Importa é
ver se os outros também tiraram notas baixas: Ah,
mas no tempo do FHC gastava-se mais!. O mensalão
foi criado na época do FHC! Só aceito
CPI se ela cobrir também a época do FHC!...
O Brasil é um país
adolescente. Nossa democracia é adolescente. Mas
nossos políticos são bem crescidos. Não
podem usar justificativas adolescentes para seus atos. Ah,
os problemas estão sendo encontrados? A CPI vai ser
criada? A ministra já caiu? O ministro já
devolveu o dinheiro? O governo está fazendo tudo
pela moralidade? Temos transparência?
- Quando vocês vêm
com o milho, já voltei com o fubá.
Mas digamos que tudo isso fosse
verdade e que providências estão sendo tomadas.
Ainda assim teríamos uma grande encrenca, pois o
pior problema não dá pra contabilizar: o exemplo
que está sendo passado para nossos filhos, de que
os erros passados justificam ou atenuam os atuais.
Não justificam. Não atenuam.
Responsabilidade. É
isso que explico todo dia para minha filha.
E haja milho...
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Luciano
Pires é jornalista, escritor, conferencista
e cartunista. Faça parte do Movimento pela Despocotização
do Brasil, acesse www.lucianopires.com.br.
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