
27/08/08
A ditadura dos
celulares
– Oi, T im!
– Tà Vivo?
– Claro!
Após um relampejo etílico-criativo, lá
pelas tantas da madrugada, na Praça da Savassi (ou
Praça dos Celulares), me veio essa infame piadinha,
sobre um possível e imbecil diálogo entre
as operadoras de celular. A parte humorística é
de co-autoria do álcool, que ainda colaborou com
outras idéias, tais como “Cliente Tim também
é cliente Vivo? Claro!” e outras, tão
boçais quanto, que se perderam em minha memória.
Contudo, a reflexão preocupante, quase filosófica,
sobre a “ditadura dos celulares” já havia
me acompanhado durante todo o dia, após ler uma notícia
óbvia e chocante, na mesma proporção.
O estudo “Mobilidade 2008”, realizado pela empresa
francesa Ipsos, em Maio desse ano, pesquisou a relação
atual dos brasileiros e os telefones celulares. Foram ouvidos
1.000 entrevistados de ambos os sexos, acima de 16 anos,
em 70 cidades e 9 regiões metropolitanas. A pesquisa
mostrou que 18% dos brasileiros se dizem viciados em seus
aparelhos. Mulheres (21%) e jovens com idade entre 16 e
24 anos (23%) são os mais viciados. A cada cinco
brasileiros, um se sente abandonado quando não recebem
nenhuma ligação ou mensagem durante o dia.
Mais da metade dos usuários da telefonia móvel
no país realiza em média duas a cinco ligações
de seu celular diariamente.
Agora pense você. Quantas ligações por
dia? Se sente abandonado quando ninguém te liga?
É viciado nessa desgraça? Aposto que sim.
As perguntas da pesquisa poderiam até ir além.
Sente-se desesperado quando acaba a bateria e você
não tem um carregador por perto? Está em casa,
vai tomar um banho e coloca o celular em cima da pia, com
medo de perder uma ligação? Já perdeu
algum compromisso ou oportunidade porque não estava
com o telefone? Quantas vezes você já passou
raiva com seu celular? Já quebrou (ou sentiu vontade)
um aparelho? Quanto gasta com conta telefônica por
mês? Ouve tanto o barulho do seu toque que às
vezes fantasia com o celular tocando?
Enfim. Fato é que o celular já se tornou cotidiano,
algo como uma peça de roupa do nosso vestuário,
ou um utensílio importante, como as chaves de casa
ou a carteira. Ninguém vive sem o bichinho. E toca
que é uma beleza. Pra tudo, o dia inteiro. Em todos
os ramos da vida, dando notícia de tudo o que acontece,
de bom ou ruim, no pessoal e no profissional. Além
do que, é praticamente um GPS, um vigia constante:
“Alô! Onde você está? Quem ta aí?
Vocês vão ficar aí até que horas?
Que horas voltam?”. O que foi criado apenas para auxiliar
a comunicação – cada vez mais rápida
– entre tantos seres humanos acabou se tornando uma
sentinela, cada vez mais tecnológica, que também
vigia e fiscaliza.
Toca e baixa MP3 e vídeos, faz conferência,
tem sei lá quantos jogos de Playstation 2, Bluetooth,
solta fogo de artifício, lança-granada, faz
de tudo. E toca o dia inteiro, limitando a nossa liberdade
de não ser incomodado e – porque não
– de, às vezes, não querer nos comunicar.
E elas, as “ditadoras de celular”, nos enchem,
cada vez mais, de propagandas, brindes, benefícios,
vantagens e aparelhos, lutando umas com as outras, como
belas mulheres em um ringue, lambuzadas de gel, sendo observadas
por milhões de espectadores loucos para saber quem
será a ganhadora que os dominará. E o mais
interessante de tudo: estamos viciados. Somos dependentes
psicológicos dos celulares. Por exemplo, escrevendo
esse texto o meu telefone tocou uma vez, tive que fazer
uma ligação e lembrei que tenho que fazer
mais duas. TENHO que fazê-las. É mais forte
que eu. Será que teremos, então, como no caso
do álcool (que acendeu essa grande reflexão),
grupos de ajuda para viciados em telefone celular? Os “Telefônicos
Anônimos”? Que loucura.
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Lucas
Buzatti é jornalista desde moleque, mas
só foi descobrir a profissão mais tarde. Cismado
a escritor, é apaixonado e curioso por contracultura,
cultura pop, música, cinema e literatura. Acredita
que o bom jornalismo deve ser feito com emoção
e criatividade, e idolatra Hunter S. Thompson. Tem o péssimo
hábito de escrever muito, até mesmo em descrições
de pé de página. Fale com ele: lbuzatti@yahoo.com.br
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