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Em Minas Gerais, o Tribunal de Justiça deferiu, no dia 2, uma liminar impedindo a "Marcha da Maconha", que estava programada para o dia 4 em Belo Horizonte. Segundo noticiado pelo site O Globo Online, o desembargador Renato Martins Jacob determinou a suspensão da marcha na capital mineira em pedido apresentado pelo Ministério Público Estadual.
 
Marcha da Maconha em São Paulo
 
 

28/05/08
Liberdade em extinção

No zoológico urbano, seres dos mais diversos, de distintos filos e nichos, cumprem, de forma exímia, suas funções sociais, políticas, culturais e morais – entre outras – categorizando-se, apenas, por um hábito em comum: o consumo de uma erva antiga, de nome científico Cannabis sativa. Esses bichos, porém, são vistos com maus olhos por outras espécies que, domadas por culturas baseadas no preconceito e na falta de conhecimento, tendem a observá-los como ameaças para a manutenção do ecossistema. São políticos, advogados, jornalistas, estudantes, professores universitários, escritores, músicos, engenheiros e comerciantes, entre integrantes de tantas outras áreas de influência, que levam suas vidas comuns, se atendo aos padrões da sociedade, mas que descumprem as leis vigentes apenas em momentos de entretenimento social – ou mesmo particular – em que, como acontece com o álcool ou com o tabaco, fazem o uso de uma droga. O psicotrópico em questão causa, inclusive, menos danos que os lícitos, mas torna-se, camuflado por leis ignorantes adotadas nos quatro cantos do globo, um errôneo indicativo de marginalidade ou transtorno da ordem.

A tal visão míope de um costume que é cultural, mas que, obviamente, também se classifica como um problema de saúde pública faz com que sejam embaralhadas importantes questões e opiniões, deixando de lado o valor de uma discussão macro sobre o tema e chegando a influenciar negativamente ações e discursos de peças-chave para o viver em sociedade, como o Poder Judiciário e os órgãos de segurança pública. Assim como acontece com costumes culturais e sociais diversos, não há como categorizar um grupo como criminoso pelo simples fato de seus integrantes serem usuários de uma determinada droga: existem, como em tudo, pessoas boas e ruins, responsáveis e inconseqüentes, conscientes e alienadas, cidadãs e marginais – em todas as áreas de influência e classes sociais.

É extremamente preocupante assistir a cenas que nos remetem aos anos de chumbo, com doses fortes de cerceamento à liberdade de expressão, repressão, arbítrio e abuso de autoridade, e que mostram um retrocesso da consciência coletiva sobre a questão da Cannabis – e das drogas em geral. Dois acontecimentos absurdos, que ilustraram, timidamente, os noticiários nos últimos dois meses, apontam um quadro que provocaria calafrios em antigos presos políticos da ditadura.

Ato primeiro

A primeira notícia, do dia 3 de abril, mostra o espancamento de estudantes que iriam assistir ao documentário Grass – Maconha (1999), nos interiores do Instituto de Geociências (IGC) da Universidade Federal de Minas Gerais. Após a tentativa de promover uma sessão debatida do filme, os estudantes teriam sido surpreendidos pela presença da Polícia Militar, que, com seus oficiais não identificados (a presença da PM em área federal é proibida, os policiais teriam retirado as patentes), tentaram impedir a saída de vários alunos e professores do prédio, muitos que nem mesmo sabiam da confusão. Após um "eu saio de onde eu quiser, a hora que eu quiser", curiosamente classificado como desacato à autoridade, um dos estudantes é preso, o que gera tumulto e revolta, fazendo com que a ação dos militares se torne violenta e a pancadaria comece a ser distribuída. O saldo: um estudante preso injustamente, duas alunas feridas (uma foi levada às pressas para o HPS João XXIII), controvérsias sobre a origem da ordem para a entrada da Polícia, a ocupação da reitoria pelos estudantes, muita revolta, indignação e a geração coletiva daquele recorrente sentimento de que há algo errado no tocante à questão das drogas.

A triste ação da polícia indica a falta de conhecimento e o despreparo da corporação, o depósito equivocado de energia, tempo e dinheiro (foram chamados "reforços" de cerca de seis viaturas e um helicóptero), além de apontar traços de discriminação e preconceito como orientadores de suas operações. O joio não pode ser confundido com o trigo. A liberdade de expressão é garantida pela Constituição Federal, da mesma forma como a ação policial é regulamentada e segue critérios pré-estabelecidos. O ocorrido na UFMG viola, de forma descarada, esses propósitos legais e foi, além de uma afronta à comunidade acadêmica e científica (Grass é um documentário sério, recheado de pesquisas históricas, explicações e relatos importantes, recentemente reeditado pela revista Superinteressante para versão de venda em bancas de jornal), um demonstrativo de desrespeito para com a sociedade.

O desejo de assistir a um filme e debater seu tema (independente de qual seja ele) não poderia, de maneira alguma, ter sido impedido a cacetadas pela polícia. A pancadaria gerou tanta indignação que, quatro dias depois, os universitários invadiram a reitoria da UFMG exigindo explicações sobre o ocorrido. A novela seguiu com diversas assembléias, audiências públicas, queixas na Comissão de Direitos Humanos, e a nomeação, no dia 10 de abril, de uma comissão de sindicância que irá apurar o que aconteceu realmente no episódio do IGC. De acordo com a portaria, assinada pelo reitor Ronaldo Pena, a comissão tinha trinta dias para apresentar um relatório sobre os fatos – mas o prazo foi prorrogado por mais trinta dias.

Ato censura

Mais recente, a segunda notícia retrata a decisão da Justiça em proibir a realização da "Marcha da Maconha" em oito de 13 capitais brasileiras, entre elas Belo Horizonte. O evento acontece em 200 outras cidades em todo o mundo e objetiva promover e ampliar a discussão sobre a regulamentação legal do uso da Cannabis. As outras cidades em que a realização da marcha foi suspensa foram Cuiabá, Curitiba, Brasília, Fortaleza, Rio de Janeiro, Salvador e São Paulo
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Em Minas Gerais, o Tribunal de Justiça deferiu, no dia 2, uma liminar impedindo a "Marcha da Maconha", que estava programada para o dia 4 em Belo Horizonte. Segundo noticiado pelo site O Globo Online, o desembargador Renato Martins Jacob determinou a suspensão da marcha na capital mineira em pedido apresentado pelo Ministério Público Estadual. A ação teria sido apresentada pelo promotor Joaquim Francisco, que alegou que o evento buscava fazer apologia ao uso de drogas.

É curioso, pois, que o caráter da marcha tenha sido interpretado como apologético, tendo em vista as recomendações explícitas estabelecidas pelos organizadores do evento (proibição da participação de menores de 18 anos e do consumo da maconha durante a marcha) e a programação complementar de seminários, palestras e debates sobre temas relacionados às leis e políticas públicas sobre o consumo de drogas.

O (mau) cheiro que fica no ar é que, mais uma vez, a liberdade de expressão foi enforcada por alguma brecha na lei (inciso tal, do artigo tal), usada como manobra em detrimento de valores retrógrados, cerceadores e conservadores. Se a ação da Polícia Militar já assusta, imagine a da Justiça, uma vez que, em âmbito maior, as tragédias sempre tendem a ter proporções catastróficas.

O fim do túnel

Tanto os estudantes que foram à UFMG assistir ao documentário quanto os participantes do coletivo "Marcha da Maconha" buscavam exatamente o que falta ao bojo da sociedade: ampliar o conhecimento sobre a Cannabis sativa – quem é ela, de onde vem, o que causa, porque foi proibida, quais as conseqüências da sua proibição no Brasil, entre diversas questões ainda mancas que, se debatidas e estudadas, poderiam nortear a legislação para um caminho, no mínimo, mais racional e humano.

Vale lembrar, face aos últimos acontecimentos e à minha explícita vontade de não ser agredido pela polícia, que a intenção desse texto não é, sob qualquer visão, fazer "apologia da maconha" – o termo já se tornou até clichê –, mas sim propor o abandono da hipocrisia, do preconceito e do tabu social com que o assunto é tratado. O usuário de maconha não é, por conseqüência, um criminoso. Da mesma forma, o modo como a droga é combatida hoje, fomentando os impérios do narcotráfico e transformando as favelas brasileiras em fronts de guerra, parece não vir obtendo tantos resultados ao longo dos anos – nem em relação à diminuição do consumo, como no tocante à violência do tráfico.

O uso da maconha é, hoje, um traço cultural de diversas sociedades e, antes de tudo, também configura uma importante questão de saúde pública que deve ser encarada com maturidade, segurança, respeito e consciência. Somente quando esses valores forem incorporados ao modo como a cultura da Cannabis é tratada, a discussão poderá ser incorporada, de forma evoluída, às conversas no café da manhã em família dos brasileiros, às mesas de bar, às redações dos jornais e também às pautas do plenário.

Apenas dessa forma, quem sabe em um futuro não tão distante, quando sejam discutidas a descriminalização do usuário e redefinição das diretrizes que orientam a legislação, a sociedade possa entender o consumo da maconha de forma mais madura e consciente e deixar de assistir no noticiário preocupantes e recorrentes acontecimentos – chacinas em favelas, morte de policiais, balas perdidas, corrupção, extorsão, agressões a universitários e proibições de manifestações – que indicam, dia após dia, a extinção da nossa liberdade.


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Lucas Buzatti é jornalista desde moleque, mas só foi descobrir a profissão mais tarde. Cismado a escritor, é apaixonado e curioso por contracultura, cultura pop, música, cinema e literatura. Acredita que o bom jornalismo deve ser feito com emoção e criatividade, e idolatra Hunter S. Thompson. Tem o péssimo hábito de escrever muito, até mesmo em descrições de pé de página. Passa por aqui quinzenalmente às terças-feiras. Fale com ele: lbuzatti@yahoo.com.br


   
 

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