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Imagine. Em quantas coisas não acreditamos somente pelo fato de serem o que são? Não importa. Sempre há uma realidade em que cremos às cegas e nunca tivemos colhões para contestar.

 

01/08/08
Nada é o que parece

Aceitando a impiedade da insônia, lá estava eu zapeando os canais, checando o que a TV paga podia me oferecer de qualidade na madrugada. Discovery Channel, ótima pedida. O documentário que passa é sobre dinossauros. Aliás, sobre um deles em especial, o Tyrannossaurus Rex, ou T-Rex, no popular. Aquele gigante dos bracinhos. O “lagarto tirano rei” ou “réptil rei”, como se traduz seu nome científico, tem fama mundial de ser um predador voraz, matador certeiro, um dos mais temidos do Período Cretáceo.

Contudo, um excêntrico paleontólogo explicava que, após a descoberta de alguns fósseis do bichano, o que muitos estudiosos já defendiam foi, enfim, constatado. O tiranossauro não tinha condições de ser um bom caçador, dado o fato de que o encurtamento dos seus membros superiores o privava até de segurar qualquer objeto, conseguindo somente coçar a barriga com os bracinhos. Além disso, sua visão não era das melhores e também não era dos mais velozes, características básicas de perigosos predadores, como os velociráptors.

Seu olfato, no entanto, era apuradíssimo. Portanto, provavelmente o T-Rex era um bom comedor de carniças. Praticamente um urubu dos dinossauros. E defende-se até que o bicho mal podia se dar ao luxo de cair no chão, pois teria extrema dificuldade de se levantar usando apenas os dois membros inferiores. Ou seja, devia ser um dinossauro paradão, vagaroso, prostrado. Quase uma vaca dos dinossauros. Uma vaca-urubu.

Constatar aquilo foi um choque para mim. Aquela imagem do tiranossauro feroz e assustador do Jurassic Park – um leão dos dinossauros! – se desfaleceu na minha memória, dando lugar à projeção em 3D do T-Rex lento e limitado, como mostrava o documentário. Minutos depois, pensando sobre o caso, minha reação mudou. Passada a frustração, o sentimento gerado pela revelação da real vocação do tiranossauro foi de autocrítica e reflexão.

Autocrítica pelo fato de ter passado tantos anos sendo enganado, com a realidade bem ali na minha frente. Como, ó céus, o bicho podia ser um predador com aqueles cotocos de braço! De onde se tirou essa idéia, e porque eu nunca havia me colocado a contestá-la antes? A reflexão que veio em seguida, levando o caso do tiranossauro a outras esferas, foi a de como as coisas podem não ser o que parecem. Como, muitas vezes, as verdades tidas como universais podem ser contestadas e dissolvidas com base em constatações óbvias, que passam batidas simplesmente pela nossa preguiça em refutá-las.

Imagine. Em quantas coisas não acreditamos somente pelo fato de serem o que são? Foi o que nos contaram, o que nos ensinaram. O que aprendemos em casa, na escola, na faculdade, na vida. Em todos os setores da sociedade. Comportamento, cultura, política, sexo, economia, violência, relacionamentos. Não importa. Sempre há uma realidade em que cremos às cegas e nunca tivemos colhões para contestar.

E é desse fenômeno estúpido que nasce o preconceito. É por, muitas vezes, limitarmos nossa percepção com base nessas verdades em que aprendemos a acreditar, que deixamos de ampliar as possibilidades – praticamente infinitas! – que cada pessoa, relação, ou acontecimento podem nos oferecer. Quantas vezes não percebemos que estávamos enganados com determinado fato ou indivíduo (no popular, “pagar língua”) e somos, posteriormente, atingidos por aquele sentimento agudo de que, realmente, “não era nada do que parecia”.

No frigir dos ovos, a primeira impressão raramente é a que fica. Portanto, somente quando nos dispusermos a questionar as verdades pré-concebidas, nos abstendo de valores e constatações preconceituosas, poderemos, então, deixar de acariciar panteras como se fossem animais de estimação, ou mesmo crer na ferocidade de leões que, na verdade, não passam de meras vacas-urubus.


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Lucas Buzatti é jornalista desde moleque, mas só foi descobrir a profissão mais tarde. Cismado a escritor, é apaixonado e curioso por contracultura, cultura pop, música, cinema e literatura. Acredita que o bom jornalismo deve ser feito com emoção e criatividade, e idolatra Hunter S. Thompson. Tem o péssimo hábito de escrever muito, até mesmo em descrições de pé de página. Fale com ele: lbuzatti@yahoo.com.br

   
 

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