
27/08/07
O Brasil é dos espertos
Sempre defendi tanto meus compatriotas
alardeando aos quatro cantos todo aquele senso comum equivocado
de que o povo brasileiro é especial, caloroso, espontâneo
e blá blá blá... Hoje posso falar,
em alto e bom som, que essa opinião é uma
grandessíssima idiotice e que toda essa nação
(?) não anda valendo nem a minha estéril e
barata indignação.
Calourada da PUC-Minas, fila - que não anda - para
comprar cerveja. “Por que nunca chega a minha vez?”
E eu que pensava na fila como algo chato sim, mas justo
e de fácil entendimento: quem chega primeiro, compra.
Quem chega depois espera sua vez, compra também e
ninguém sai perdendo. Simples, né? Mas tava
difícil da meninada presente entender porque democracia
é apenas uma palavra obsoleta esquecida nas inúteis
e burras apostilas do cursinho pré-vestibular. E,
além disso, eles têm coisas mais interessantes
para preencher sua fútil cabecinha...
Todo mundo deu risada e achou muito engraçado quando,
após uma hora de fila parada, comecei a dar sermão
e barraco. Mas mesmo vestindo o nariz de palhaço,
do qual tanto gostam os brasileiros, eu volto a bater na
tecla de que esse é um problema muito sério
e triste no Brasil. O tal “jeitinho brasileiro”,
orgulho do país, acabou com o pouco que restava de
aproveitável nessas pessoas desprovidas de massa
encefálica bem educadas pela rede globo.
E o pior é que ao desabafar com o primeiro conhecido
sobre a falta de consciência democrática das
pessoas da maldita fila, ainda sou obrigada a escutar o
inteligentíssimo conselho: “Porque você
também não fura fila? Todo mundo fura ué!”
Ah sim, então está resolvido! Eu faço
cara de gatinha, aumento meu decote, compro a cerveja antes
de todo mundo e saio de lá me sentindo a mais bonita
e esperta das pessoas por ter passado a perna nos trouxas
que ficaram pra trás. Depois vou pra casa tranqüila
ler a Veja e me indignar com a corrupção no
Senado. E assim rasteja a humanidade nessa lama asquerosa
de oportunismo conveniente.
É interessante ver que os jovens que entram na Universidade,
possuem pais bem de vida e instruídos, acham bonito
ouvir Caetano e Chico, apóiam o PT, se envolvem em
movimentos culturais, sabem quem foi Che Guevara, usam camisa
do “fora bush”, se indignam com políticos
desonestos e se dizem politizados, são os mesmos
jovens que não possuem o menor senso ético
e de coletividade e são corruptos na primeira oportunidade,
achando muito natural, afinal, o mundo é dos espertos!
Essa virtuosa elite intelectual do Brasil - “as cabeças
pensantes” - é a mesma que acha que respeitar
a fila é coisa de otário, que doar um casaco
pra pagar meia-entrada na calourada é contribuir
para a responsabilidade social do país e que desviar
dinheiro do DA para levar a namorada de graça no
festival de inverno com os amigos drogadinhos é doido
demais!
Será que alguém se lembra de que os presidentes,
deputados e senadores também já foram calouros?
Eles certamente não enfrentavam fila e continuam
não enfrentando...
Isso é Brasil.
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Lira Turrer é
jornalista e escritora. Apaixonada pela literatura e inspirada
pelos fatos corriqueiros que permeiam a comédia do
cotidiano. Escreve aqui todas as segundas. Fale com ela:
liratd@yahoo.com.br
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