OPPERAA
 
Baby Boom
     
 
 
     
Muitas vezes, o aviso do instinto materno coincide ainda com a percepção feminina de que não se pode ser eternamente especial e única na vida de um homem. E então ela passa a desejar para si, um ser que será sujeito e objeto de seu amor reprimido e enclausurado. E ainda de quebra, alguém que não a deixará sozinha e cuidará de sua velhice.
 

23/04/07
Compre já o seu

Amor, queria te pedir uma coisa.

O que é dessa vez?

Eu quero um filho.

Ah não amor, mas já? Você ainda nem aproveitou sua esteira elétrica ultra power com 5 velocidades que eu te dei na semana passada!

Cansei dela. Cansei de correr e não sair do lugar. Eu quero um filho, uma criança para alegrar meus dias, um fruto do nosso amor.

E quanto custa isso?

Caro, mas é satisfação garantida.

Tem que ter sexo? Porque ando muito ocupado e talvez não tenha tempo.

Ah não, hoje em dia não precisa mais. Você pode gastar seus viagras com a secretária gostosa que eu continuo com meus brinquedinhos novos do sex shop.

Então tá, meu bem. Veremos isso essa semana. Vai pensando no modelo, nas cores e nos acessórios. Pesquise os preços direitinho. O que eu não faço por você, meu amor?

Obrigada querido! Te amo.

Tenho tido a nítida impressão de que o desejo materno anda lado a lado do desejo de se ter qualquer outro bem. (Mal) Acostumados a este ciclo vicioso dos sonhos de consumo, acabamos por estocar pessoas e sentimentos como meros produtos utilitários – na maioria das vezes, sem muita utilidade. Quando já não podemos mais saciar nossas aspirações com objetos, status e experiências efêmeras, e quando surge a necessidade de mais uma premiação no jogo social do matrimônio, é chegada a hora de dar um passo maior, a maternidade.

Após uma longa frustração, na maioria das vezes inconsciente, com o casamento e a vida adulta, projeta-se na figura do bebê - seja ele na barriga da grávida feliz ou exibido no carrinho no passeio pela pracinha, como na novela das oito - alguma esperança de felicidade plena. Uma luz no fim do túnel. Quando os desejos mais profundos já não se saciam com um carro do ano, um restaurante chique, um vestido caro ou uma felicidade enlatada, o “relógio biológico” da mulher apita então para uma aquisição maior, um filho.

Muitas vezes, o aviso do instinto materno coincide ainda com a percepção feminina de que não se pode ser eternamente especial e única na vida de um homem. E então ela passa a desejar para si, um ser que será sujeito e objeto de seu amor reprimido e enclausurado. E ainda de quebra, alguém que não a deixará sozinha e cuidará de sua velhice. Ela sofrerá de bom grado as dores do parto e todas as privações da maternidade para então sentir-se digna e merecedora do amor perene do filho.

Enquanto mães de todo o mundo lançam mão, sem dó, de um sistema de dependência e sadismo – do mais brutal - em cima de crianças cada vez mais gordas e problemáticas, mulheres que não querem ter filhos e que praticaram aborto são tachadas de inconseqüentes e, pasmem, egoístas por tomarem uma decisão que, a meu ver, nada mais é do que um ato de completa responsabilidade e autonomia sobre seu corpo e sua vida. Vou ainda mais além e digo que se trata de uma atitude corajosa de jogar no lixo toda essa hipocrisia, que se arrasta por anos e anos, construída em torno do mito da maternidade. No caso brasileiro, o aborto representa ainda uma subversão e rejeição da idéia estapafúrdia de que o Estado tem direitos sobre o útero e sobre as decisões pessoais da mulher.

Uma vez satisfeito o desejo materno, os filhos seguem sendo educados por escolas, vídeo games, shoppings centers, televisão e terapia. Cada vez menos pelos pais. Sobre essa ótica, onde fica o “egoísmo”? Do Aurélio, só pra constar: Egoísmo: 1 Amor excessivo ao bem próprio, sem consideração aos interesses alheios. 2 Exclusivismo que faz o indivíduo referir tudo a si próprio; egocentrismo. 3 Filáucia, orgulho, presunção.

Quando entenderemos que a completude e a felicidade nada têm a ver com a concepção e com a dependência? Quando daremos um fim a esse aparelho sádico e hipócrita de gerar filhos apenas como mais uma possibilidade de realização pessoal?

E então meu bem, temos um lindo filho. Estás feliz agora?

Estou sim, mas andei pensando muito naquela casa de praia da revista... Quero muito aquela casa... O que acha?


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Lira Turrer é jornalista e escritora. Apaixonada pela literatura e inspirada pelos fatos corriqueiros que permeiam a comédia do cotidiano. Escreve aqui todas as segundas. Fale com ela: liratd@yahoo.com.br

 


   
 

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