16/04/07
Devaneios de quem não tem nada a dizer
Deparei-me hoje com uma completa falta de criatividade. Preguiça, vontade de não fazer nada, de ficar pensando sobre a vida, reflexões bobas e gostosas. Imaginar o futuro, passear por lugares onde nunca fui, experimentar coisas, amizades, amores, gostos, sensações. Lembrar de pessoas que não estão mais aqui neste mundo. Pensar em como tudo poderia ter sido diferente com qualquer “se” – imaginar o “se” no passado é tão inutilmente delicioso quanto fazer planos para o futuro.
Mas me comprometi a escrever aqui toda segunda-feira. Nem me lembro mais o porquê da escolha deste dia, pois, como todo escravo da mais valia, odeio segunda-feira. Poderia até escrever sobre isso, sobre essa condição estúpida de sermos um pouco felizes aos finais de semana e um tanto mais felizes nas férias. Mas por hora, estou com preguiça desse tema. Me agradaria mais falar sobre a obrigação social que temos em elogiar os bebês, e aproveitar para reivindicar meu direito de não apreciá-los, livre do medo de parecer insensível. Afinal, qual é o problema em preferir os cachorros?
Poderia falar também sobre uma coisa chata chamada ciúmes - ou posse - e de todo esse conjunto de artifícios inventados e enfiados em nossas cabeças por alguém que não entende nada de amor. Poderia contar o caso da menina que faz engenharia – onde 98% dos alunos são de sexo masculino - e que não pode se envolver afetiva e sexualmente com caras da turma porque seria alvo de um machismo arcaico e ridículo, em pleno século XXI. Cairia então no dilema de todas as mulheres que sofrem caladas com isso mas que não fazem nada para mudar a situação por medo de ficarem sozinhas, como se namorar, casar e ter alguém fossem as únicas possibilidades de realização pessoal.
Poderia descrever-lhes como me sinto aos 27 anos e a minha enorme vontade de cantar. Tentaria encontrar uma forma de expressar a minha paixão pelas pessoas, pela simplicidade, pela intensidade, pelo calor humano, pelo abraço de corpo inteiro, pelo beijo descompromissado e pelo roçar de pés embaixo dos cobertores.
Poderia narrar a inusitada história da velha que tem fixação por defuntos no caixão e não perde um velório por nada no mundo. Poderia também escrever sobre a morte de gente querida e a estranha sensação de perda. Ou até mesmo sobre pessoas bonitas que pulam de prédios por não agüentarem mais uma sociedade tão opressora que não as deixam sonhar e voar, castrando-as e cortando-lhes as asas.
Quem sabe um dia eu não escreva algo poético sobre as coincidências e acontecimentos arrebatadores e inesperados? Ou mesmo sobre rotinas gostosas e doces momentos previsíveis? Quem sabe um dia não consiga me desprender do forte e banal vínculo com a realidade, com as coisas palpáveis, e me deixe escorregar pelo mundo das palavras soltas, bonitas, rimantes e sonhadoras?
Ou talvez eu crie um pseudônimo e comece a escrever livre e abertamente sobre putarias, coisas inescrupulosas e excêntricas, desejos profundos e indecentes, palavras sujas ou belas, sem medo de ferir alguém, sem medo de decepcionar e de não corresponder a expectativas. Mas onde eu guardaria a minha vaidade idiota e meu ego narcisista em não assinar o meu nome?
Então, por enquanto, deixa assim.
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Lira Turrer é
jornalista e escritora. Apaixonada pela literatura e inspirada
pelos fatos corriqueiros que permeiam a comédia do
cotidiano. Escreve aqui todas as segundas. Fale com ela:
liratd@yahoo.com.br
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