
07/05/07
Mais uma para a pauta do boteco
Não acredito em filantropia, em universitários e, cada vez menos, em engajamento político. Passeatas e manifestações estudantis não passam de um grande circo para jovens que se dizem revolucionários ganharem visibilidade e status perante os colegas. Tudo num belo desfile sincronizado e ensaiado de modinhas, atitudes forjadas e muita demagogia. Grupos se propõem a fazer atos subversivos que não passam de uma grande masturbação ideológica de universitários classe média que acham bonito ser contra a sociedade e o sistema, em movimentos tão superficiais quanto seu modo alternativo de ser.
Ainda que esses comportamentos sejam menos deploráveis do que a nova moda de ser ignorante por opção é impressionante como a burrice e o mau gosto são legitimados pelo livre arbítrio não muda em nada nossa condição precária e impotente diante da máquina política. Daqui da minha janela que dá para a Afonso Pena assisto diariamente o triste teatro da cidadania em forma de carros de som e poucas dúzias de pessoas, sem muita energia, carregando faixas, megafones e executando gritos de guerra inteligíveis. Lá embaixo dá pra notar a preguiça e o mau humor dos transeuntes e motoristas que se dirigem a mais um dia estéril de trabalho e que pouco se importam se os professores ganham uma miséria ou se as mulheres andam apanhando em casa.
Mas a coisa muda de figura quando a mídia abraça a causa. O tema pode virar espetáculo e disputa vaidosa de opiniões em boteco. E então, como num passe de mágica, a gente se comove com o sumiço do filho do vizinho que teve a cara estampada na novela das oito e com a morte do menino do outdoor que foi arrastado pelo carro assaltado. Até os executivos engravatados que são obrigados a passar a noite em aeroportos aguardando seu vôo de primeira classe se tornam alvo de nossa piedade social. Começamos a refletir, da maneira mais superficial e efêmera possível, sobre a violência e a corrupção e nos sentimos na obrigação de cobrar medidas governamentais para esses casos vergonhosos.
Tanta firula, apelo sentimental e publicidade às vezes culminam em medidas constitucionais medonhas, que tem como objetivo dar uma satisfação, mostrar serviço e acalmar os ânimos. É o famoso para inglês ver que o povo brasileiro bem sabe apreciar, como foi o caso da redução da maioridade penal, mais um engodo tapa buraco que pode ter conseqüências pra lá de desastrosas. Como alguém pode acreditar em novas leis quando não existem condições necessárias nem mesmo para o cumprimento das antigas? Como alguém pode acreditar que a prisão a maior fonte de degradação humana ainda pode ser a solução para jovens de 16 anos que estão acostumados a lidar com a morte e a violência desde que nasceram?
Em meio ao cômodo sentimento de impotência que permeia nossa ausência de atitudes ou nossa atitude unicamente voltada para cobrar soluções, o desespero por ser alguém, por pertencer à opinião pública, nos inibe de visualizar soluções que estão ao nosso alcance. Entorpecidos por essa lógica emocional do bode expiatório, ávidos por resultados estatísticos e rápidos, não enxergamos a inutilidade das leis e do governo em relação à atitude política. O engajamento político, a meu ver, só é viável se praticado cotidianamente através de ações e modos de pensar individuais, independentes do status que isso pode ou não atrair, do barulho que isso possa ou não fazer.
Outra solução, também viável, seria o suicídio.
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Lira Turrer é
jornalista e escritora. Apaixonada pela literatura e inspirada
pelos fatos corriqueiros que permeiam a comédia do
cotidiano. Escreve aqui todas as segundas. Fale com ela:
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