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Talvez eu tenha resolvido fazer essa viagem porque, além da necessidade de achar alguma coisa que eu não sei bem o que é, andei pregando demais que as pessoas têm que viver intensamente
 

06/08/07
Diga que eu só vou voltar depois que me encontrar

Estive viajando pela Argentina recentemente e confesso que estava receosa de voltar a escrever porque não quero fazer da minha coluna um diário de experiências, sobretudo depois de uma crítica muito construtiva, de uma pessoa que tenho em altíssima estima e que escreve muito bem, sobre meus textos. Essa pessoa me disse que meu texto poderia deslanchar mais se eu me desprendesse um pouco do auto-biográfico. Porém isso se tornou uma obsessão e eu simplesmente me bloqueei na busca de um estilo que eu ainda não encontrei.

Peço desculpa a esse amigo e aos leitores que nada tem a ver com minhas eternas buscas pela vida que corre nas veias, mas no momento estou transbordando de mim mesma e, tomando as palavras do gênio chiliquento, “É que narciso acha feio o que não é espelho.”

Talvez eu tenha resolvido fazer essa viagem porque, além da necessidade de achar alguma coisa que eu não sei bem o que é, andei pregando demais que as pessoas têm que viver intensamente, fazer loucuras e toda essa baboseira meio adolescente e auto-ajuda. Tomei um tombo no terceiro dia em solo gringo quando me roubaram alguns pertences e, dentre eles, a minha câmera cheia de imagens legais que provavam o quanto eu era descolada por estar em Buenos Aires de mochilão. Em meio ao meu desespero pelo roubo, eu só fui acordar quando o colega de quarto israelense, que também foi roubado, numa tranqüilidade fora do normal disse num inglês cheio de rrrr: “na minha câmera havia fotos das ilhas tailandesas e de diversos lugares onde certamente jamais voltarei. Mas tudo bem, as imagens estão bem guardadas na minha cabeça.” Depois desse tapa na cara, recolhi meu ridículo apego material e estético e, aliviada, fui tomar uma cerveja com os amigos do albergue, tive uma ótima noite e segui a viagem sem mais lamentações pelo ocorrido.

Daí em diante passei a prestar mais atenção aos detalhes não fotografáveis, só vistos a olho nu, aqueles detalhes que eu jamais vou esquecer porque não se perderão em especulações estéticas, não ficarão amarelados em papéis fotográficos velhos e nem se apagarão em algum pau de HD. Eles simplesmente estão guardados na minha cabeça e marcados na minha existência. Isso nunca poderá ser roubado.

Desencanei do objetivo inicial de conhecer lugares insólitos, onde eu passaria frio para correr o olho em paisagens bonitas – mas onde também não descarto de forma alguma conhecer um dia, munida de casacos potentes e câmera nova - , e optei por observar as pessoas e fazer amigos descartáveis. Das coisas mais interessantes que pude perceber foi a facilidade que viajantes fora do circuito turístico encontram de se desprender de questões culturais tão arraigadas para se aproximar de pessoas completamente diferentes. Estão todos – ou quase todos – abertos ao que vier dentro deste contexto meio neutro onde viver é o único dever pré-estabelecido.

Aprendi dizer bom dia, obrigado e um monte de palavrões em diversas línguas. Descobri que explicar a um gringo o que é larica, alface e saudade é uma coisa quase impossível. Descobri também que pedir uma pizza por telefone em espanhol é um verdadeiro obstáculo e não aprendi nada sobre vinhos em Mendoza já que me apaixonei pela cerveja Quilmes de 1 litro. Descobri que os argentinos são extremamente políticos e organizados mas seus filhos não sabem o que é democracia e furam fila no parque de diversões. Eles descobriram o quanto uma brasileira pode ser barraqueira com quem não respeita a fila. Emocionei-me do fundo da minha alma ao ouvir as orquestras de tango nas ruas – muito mais do que ao ver a neve na entediante Bariloche - e chorei como uma criança ao ver a linda Buenos Aires, com seu céu maravilhoso e seus homens bonitos, ficando pra trás.

Estou de volta, ainda meio sem saber o que mudou, embora com a consciência nítida de que algo tenha se transformado drasticamente. Se achei o que procurava? Não, mas ao menos descobri que buscava por mim mesma. E foi nessa busca desesperada, cheia de desencontros com o eu, que me perdi totalmente, ainda que, às vezes, eu até passe por mim em lapsos efêmeros e consiga me enxergar num frame míope, daltônico e estrábico.


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Lira Turrer é jornalista e escritora. Apaixonada pela literatura e inspirada pelos fatos corriqueiros que permeiam a comédia do cotidiano. Escreve aqui todas as segundas. Fale com ela: liratd@yahoo.com.br

 


   
 

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